O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Uma chuva miudinha, persistente, continuou a cair durante toda a viagem,
fazendo esmorecer a euforia que sobreviera ao terror do mergulho cego nas
entranhas atormentadas do cumulus-nimbus . Nuno fez o avião perder altitude
para voar debaixo das nuvens. Espreitando através da cortina de água que
encharcava o pára-brisas conseguia ver o mundo esborratado lá em baixo,
uma mancha castanha-amarelada seguida do tom verde das florestas
frondosas e logo mais castanho e depois uma serpente de água, um rio,
eventualmente o espectáculo branco da espuma revolta de umas cataratas. O
piloto solitário, imerso na perplexidade dos pensamentos errantes, notou que a
paisagem belíssima, contudo monótona, do sertão angolano carregava por
vezes uma certa carga nostálgica. Um homem naquela situação, sobrevoando
África numa tarde pintada em tons pastel, escurecida prematuramente pela
atmosfera ensombrada por um tecto de nuvens pesadas, carregadas de chuva,
podia surpreender-se a suspirar, saudoso de algum local ou de alguma época
porventura mais imaginários do que verdadeiros. Nuno sentiu-se assim nesse
momento, trespassado por uma melancolia imprevista, incomodado por uma
vaga mágoa sem explicação, algo a que não poderia atribuir um justo e
definitivo motivo. Sentiu-se simplesmente assim, sem saber muito bem
porquê.


Anima-te homem!, encorajou-se. Porque é que estou macambúzio, porra?
Sou o Pai Natal que chega do céu fora de horas, faça chuva ou faça sol. Levo
presentes para a malta toda, espalho alegria por onde passo. Não posso estar
triste, caralho! O Pai Natal nunca está triste!


Começou a assobiar uma música natalícia, a ver se se alegrava. Era a
felicidade em pessoa, não havia dúvida, o maluco que aterrava em buracos
onde a tropa só ia de Alouette , pousava em pistas de helicópteros! Saltava do
avião, fazia uma festa bestial com a soldadesca, um teatro do caraças,
entregava encomendas a todos, uma revista de gajas nuas para ti, um pacote
de cigarros para ti, uma pistola Walther suplementar e sem registo para ti...
até de carteiro fazia, que diabo! Andava sempre carregado de correspondência
para cá e para lá, porque os soldados não confiavam no Serviço Postal Militar.
As cartas que recebiam eram abertas pela censura, diziam, e as que enviavam
perdiam-se pelo caminho. Em contrapartida, o transporte informal de correio
que Nuno providenciava não falhava e o pessoal podia escrever o que lhe
desse na gana sem se preocupar com a proibição superior de se falar na

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