guerra. Por isto tudo, achava que fazia um trabalho útil e, embora não pagasse
impostos e, oficialmente, não tivesse negócio nenhum, adorava pilotar o seu
avião pelos céus de Angola e nem sequer podia dizer que não apreciasse as
aventuras em que se ia envolvendo. Ali, um dia nunca era igual ao outro,
corria riscos mas aceitava-os, porque se sentia mais vivo, mais livre e mais
feliz do que nunca. De modo que estranhou aquela nostalgia traiçoeira que o
acometeu de uma tristeza sem nome, sem razão, e tomou-a por um mau
presságio.
Nuno era, por natureza, um tipo desenrascado, pouco dado a estados de
alma, um aventureiro que devia o seu relativo sucesso a um optimismo
crónico, porventura irresponsável, mas que, pelo menos até à data, resultara.
Ele achava que não era suficientemente inteligente nem tinha sabedoria que
chegasse para se tornar um homem rico, mas nunca morreria de fome. Vivia
de expedientes, da imaginação e da coragem para pôr as ideias em prática.
Poderia vir a morrer de outra coisa qualquer, de uma bala imprevista, talvez,
de um acidente de avião, provavelmente, mas nunca de fome. Lembrava-se de
Regina ter ficado espantada com a sua excitação no dia em que chegou a casa
e lhe deu a notícia de que acabara de comprar o avião. Abraçou-a, beijou-a,
bailou com ela, fazendo-a rodar em volta da sala, a cantar, feliz da vida.
«Pareces um puto que ganhou um brinquedo novo», disse ela, perdida de riso.
Era um puto , de facto, em muitos aspectos, um puto que perdera a infância
porque se vira obrigado a crescer depressa, a funcionar como um adulto mas
um puto que só recuperara alguma alegria de viver no liceu e, especialmente,
desde que se tornara autónomo com o seu primeiro emprego.
Nessa época, nos primeiros alvores da idade adulta, Nuno deixou-se
deslumbrar pelo dinheiro fácil, pelo sucesso profissional. Descobriu a sua
vocação de vendedor, percebeu que conseguia impingir qualquer porcaria
com rodas a qualquer pessoa. Não poupava ninguém, evidentemente, mas os
clientes que lhe dava mais gozo embarretar eram os arrogantes com a mania
que sabiam tudo, que queriam ver o motor, como se percebessem alguma
coisa de mecânica, que queriam experimentar o carro, que discutiam o preço
até ao tostão, os que traziam estampado na rosto aquela expressão «a mim
ninguém engana». Pois não, espera e verás. Quanto mais difícil era o cliente,
mais interessante se tornava o desafio. Não se tratava só de o persuadir a
comprar, mas também de o levar a pagar bastante mais do que o valor do
automóvel e — essa era a cereja no topo do bolo — ainda sair convencido de
que fizera um bom negócio, de modo a voltar da próxima vez.
Inicialmente era um trabalhador incansável, voluntarioso, obcecado com o
fito de concretizar vendas, fechar negócios, receber comissões, acumular