O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Um tipo que Nuno não conhecia abordou-o numa dessas noites, na boîte
que ele costumava frequentar. Encontrou-o encostado ao balcão, descontraído,
a conversar com alguém. Tocou-lhe no ombro, Nuno voltou-se. Era jovem, na
casa dos vinte, alto, entroncado, provavelmente um jogador de râguebi, ou
coisa que o valha.


— O que é que tu queres, pá?
— Quero comprar-te umas pastilhas.
Nuno esticou o pescoço para a frente, como se não tivesse ouvido bem,
mostrando-se espantado.


— Pastilhas elásticas? Pede à entrada, no bengaleiro, talvez tenham —
replicou, voltando-lhe as costas.


O jovem sorriu, algo néscio, coçou o cabelo curto à escovinha, certo de que
Nuno não entendera bem. Tocou-lhe outra vez no ombro.


— O que foi agora? — perguntou Nuno.
— Não percebeste, meu. O que eu quero é comprar uma cena, tás a ver?
— Tu és um bocado bronco, não és?
— Eu? — Fez um sorriso embaraçado, sentindo-se insultado mas sem ter a
certeza.


— Sim, tu. És estúpido como uma porta. Eu não vendo cenas, percebeste?
— Encostou-lhe a mão ao peito e empurrou-o sem violência, mas com
desprezo. — Põe-te a andar.


— Eh, eh, calma... — reagiu o outro, erguendo umas mãos enormes.
Nuno encostou o rosto ao dele, ameaçador, e cuspiu-lhe as palavras na cara.
— Calma, o caralho. Desampara-me a loja.
O jogador de râguebi puxou a cabeça para trás, como que a afastar-se do
rosto zangado de Nuno, mas logo disparou para a frente, desferindo-lhe uma
violenta cabeçada com a testa, atirando-o para trás, fazendo-o tropeçar numa
mesa baixa e cair pesadamente de costas sobre um casal sentado no sofá junto
à parede do fundo, do outro lado da mesa, estilhaçando o que tinha em cima,
copos, garrafa, cinzeiro. Nuno levantou-se de um salto, enraivecido, a sangrar
do nariz partido, com a boca ensanguentada. Atirou-se ao jogador de râguebi,
voaram agarrados por cima de outras mesas, espalharam a confusão e o

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