O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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As ruas eram estreitas e atafulhadas de gente errante. As prostitutas de
minissaia e perna gorda bamboleavam-se no passeio, em redor dos
candeeiros, como melgas atraídas pela luz eléctrica. Incitavam os transeuntes
solitários e deixavam-se humilhar pelos grupos de rapazes embriagados que
se aproximavam para se divertirem a achincalhá-las. Alinhavam na conversa
porca, na esperança de fazerem os meninos, de lhes sacarem a massa toda.
Diziam faço oral, anal e tudo o mais acabado em al, é o que tu quiseres,
querido. À marinhagem estrangeira que vinha a terra à procura de acção,
perguntavam baby, do you wanta fock? Lets go ina hotel. Os marinheiros de
licença, os chulos de serviço, os dealers , os putanheiros, misturavam-se na
noite rasca, nos bares e boîtes , onde, ocasionalmente, explodiam cenas de
pancadaria, saltavam navalhas dos bolsos, corria sangue nas valetas.


Era aquilo o Cais do Sodré, ponto de encontro de criminosos, bêbados e
drogados. O submundo à beira do Tejo. Nuno parou a moto e deixou-se ficar
a observar o ambiente na terra do nunca . Avistou o seu homem à porta de
uma boîte , descontraído, a fumar uma cigarrada com um porteiro de aspecto
sinistro. Era por ali que o fornecedor costumava parar e Nuno não seria capaz
de imaginar um sítio mais adequado para ele estar. Engatou a primeira com o
pé, fez a moto avançar em marcha lenta até junto do passeio do outro lado da
rua, cinquenta metros à frente. Ficou à espera, sem tirar o capacete, num
esforço para passar despercebido, se bem que, tinha de o admitir, a sua Harley
não fosse propriamente discreta.


O fornecedor não reagiu à sua presença, continuou à conversa, como se não
o tivesse visto, ou não o conhecesse. Nuno aguardou. O homem atirou fora a
beata com um piparote, enfiou as mãos nos bolsos, disse qualquer coisa,
olhou para baixo enquanto dava toques leves e alternados com a biqueira dos
sapatos na parede, a escutar o porteiro. Sorriu de algo que o outro disse,
apertou-lhe a mão, veio-se embora. Aproximou-se da moto com ares
superiores. Usava fato castanho-claro, camisa amarela, gravata castanha,
sapatos castanhos, meia bege. Cumprimentou-o com um aceno de cabeça
mudo.


— Tenho um esquema em grande — anunciou-lhe Nuno. O fornecedor
observou-o demoradamente, muito sério.


—   O   quê?
— Branca.
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