O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

fornecedor.


— Se o gajo me vir acompanhado assusta-se e põe-se a milhas.
— Tudo bem, não tem problema, entramos separados.
Nuno soltou um suspiro.
— Separados pode ser — concordou. — Deixas-me entrar, dás-me um
minuto, entras a seguir. Okay?


Okay.
— Tens o produto aí? — perguntou Nuno, apontando com o queixo para o
saco aos pés do outro.


— Hum-hum...
— Então, vamos a isto ou ficamos aqui o resto da tarde?
— Estás com pressa porquê?
— Estou com pressa porque marquei uma hora, que... — ergueu o pulso,
consultou o relógio — já passou há exactamente três minutos. Se não me
despacho o tipo pode pirar-se, não te parece?


Porém, o fornecedor não se impressionou minimamente com a urgência de
Nuno. Com os olhos fixos na porta do café, deu uma passa bem longa no
cigarro, deixou o fumo invadir os pulmões, soltou-o devagar. Fazia de
propósito, só para o contrariar, para lhe mostrar quem é que mandava ali.
Ponderou as suas alternativas. Não lhe agradava separar-se do saco, mas
deixar Nuno ali na rua e entrar primeiro no café estava fora de questão.
Preferia mandá-lo à frente, vigiar a porta e mantê-lo num ambiente
controlado. Mas sentia-se inseguro, roído pela desconfiança, assustado com a
hipótese de ser enganado, a pensar este espertalhão quer gamar-me e eu a ver.
A sua vontade era dar uma naifada no cabrão, fazer-lhe um sorriso na pança e
voltar à sua vidinha de sempre, que era vender pastilhas e haxe e outras coisas
mais inofensivas e menos arriscadas do que meio quilo de coca. O instinto
dizia-lhe para não se meter naquelas cenas, que lhe podiam sair caras, que não
eram a sua onda...


Embora se mostrasse o senhor tranquilo em pessoa, um gelo sem emoções,
por dentro Nuno estava num alvoroço e passava-lhe pela cabeça atirar-se de
surpresa ao fornecedor e moê-lo de pancada, só para ganhar tempo para lhe
escapar, caso o sacana desse o menor sinal de agressividade. A cada segundo
que passava sem que o outro se decidisse a avançar com a transacção, mais

Free download pdf