O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

De modo que, em poucos dias, Nuno passou do que se lixe, ela é divertida
para um sentimento mais forte que se foi entranhando debaixo da pele,
subtilmente, que se foi instalando na sua vida à medida que ia passando mais
tempo com ela. A sua habitual atitude desprendida em relação às mulheres
não estava a dar resultado com Regina e isso complicava-lhe os planos. Nuno
preparava-se para dar um golpe no fornecedor, fazer as malas e partir, um
projecto arriscado onde Regina não encaixava. Mas, embora pensasse todos
os dias em afastar-se dela, acabava sempre por adiar a decisão para o dia
seguinte.


E só quando as coisas com o fornecedor já estavam demasiado avançadas
para poder voltar atrás é que Nuno teve de reconhecer que a vida não era tanto
como uma pessoa queria mas mais conforme as circunstâncias. E, pensando
nisso, as suas actuais circunstâncias eram bastante difíceis. Golpadas de
droga, riscos em grande, perigos de morte, eram situações sérias. Não se
roubava um patrão da droga sem se ficar à espera que o tipo mandasse um ou
dois pistoleiros para nos tratar da saúde. Por via das dúvidas, antes de apagar
o fornecedor, o dono da coca haveria de o torturar só para ter a certeza de que
o sacana não estava metido na tramóia até ao pescoço e, depois de lhe
arrancar o nome do idiota que tivera a estúpida ilusão de que o podia roubar e
escapar ileso, iria atrás dele como um furacão e haveria de virar a cidade do
avesso até o apanhar e desfazê-lo à pancada. Neste caso, o idiota era Nuno e,
embora soubesse que em breve a sua vida não valeria nada e não poderia
voltar a aparecer nos locais do costume, andar a passear na rua ou ir dormir a
casa, era demasiado obstinado para desistir dos seus intentos. O que estava
decidido decidido estava. Não havia volta a dar. Era aquilo ou ficar a definhar
nas mãos do fornecedor e, mais dia menos dia, acabar nas mãos da Polícia.


Naquela época a cocaína era ainda uma raridade em Portugal. Nuno ficara
surpreendido quando o playboy lhe pedira para a arranjar e ainda mais
surpreendido ficou quando o fornecedor conseguiu o produto em tão pouco
tempo. Mas, vendo bem, o que é que não se conseguia com dinheiro? Mas, se
fosse apanhado a vender quinhentos gramas dela, Nuno arriscava-se a apanhar
uma pena exemplar, o que aumentava o risco do negócio. A justiça portuguesa
era bastante inflexível nestes assuntos e os juizes não poupavam os traficantes
de drogas duras.


Tudo isto porque se deixara envolver numa espiral de negócios escuros na
ânsia de enriquecer depressa e sem trabalho, acabando enredado numa
situação impossível. E agora precisava de se livrar a qualquer custo do

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