O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O táxi parou junto à zona das partidas, o fornecedor abriu a porta de um
salto e bateu com ela sem abrir a boca, deixando a nota grande a pairar no
assento do banco. Obrigadinho a ti também, arrogante de merda, pensou o
taxista. Pensou, mas não disse, porque às vezes um gajo transportava uns
tipos perigosos e, como nunca sabia o que lhe saía na rifa, o melhor era calar
e andar. Quanto ao passageiro, já lá ia, em passadas decididas.


O fornecedor escolheu as portas de vidro mais próximas, entrou e deteve-se
a observar o ambiente no interior do aeroporto. O movimento à sua esquerda,
onde havia mais gente, na área do check-in , chamou-lhe a atenção,
provavelmente por ser o único avião a partir naquela noite. Reparou numa
mulher jovem sentada em cima de uma mala, de perna cruzada, a abanar
nervosamente o pezinho no ar, inclinada para a frente, apoiando o queixo
numa mão, a fumar.


Atrás dele uns bons quinze metros, Nuno recuou, escondeu-se na esquina
de um quiosque, atrapalhado, com pensamentos de urgência. Não queria
acreditar que o fornecedor o tivesse seguido até ali. Como é que ele me
descobriu, caraças?!
Mas lá estava ele, no seu fatinho castanho-claro, não era
uma miragem, era bem real e bem perigoso. Trazia na mão o saco da TAP,
pelo que Nuno deduziu imediatamente que fizera uma visitinha à casa do
Restelo, pese embora ele não lhe ter chegado a dar as coordenadas da festa.
Lembrou-se de ter dito ao jovem playboy que tinha um avião para apanhar.
Que estúpido, recriminou-se, fazendo uma careta de dor ao pensar no rapaz
do Restelo nas mãos daquele animal, a imaginar o pior. Recordou-se do tipo,
ainda no outro dia, na esplanada, quando combinavam o negócio, a avisá-lo
para não o lixar com cenas maradas. Eu não sou nenhum mafioso, só quero
comprar o produto, simples e sem dramas
, dissera-lhe. E ele a tranquilizá-lo,
relaxa, não te preocupes que eu trato de tudo . Pois, viu-se... Sentiu uma
pontada na consciência. Mas em seguida afastou os pensamentos sinistros e
os sentimentos de culpa para se concentrar no seu problema imediato: como
evitar o fornecedor e embarcar no avião sem que Regina se apercebesse do
perigo que corriam?


Regina deixou cair a beata no chão, ao lado das duas anteriores, e apagou-a
com uma pisadela distraída. Olhou novamente para o relógio. Nuno estava
atrasado, preocupou-se. Agarrou as abas do casaco de malha e juntou-as
cruzando os braços, dobrando-se um pouco para a frente ao mesmo tempo,

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