O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

num reflexo de frio. Trazia um vestido leve, já a prever o calor que faria à
chegada. Os últimos dias não tinham sido nada fáceis para ela. Esperara até à
última para contar aos pais que partia. Dissera-lhes que eram só umas férias,
evidentemente. E, para dizer a verdade, ela própria também achava que não
passaria disso. Ora, que se dane , pensara, é tudo uma fantasia, mas, na pior
das hipóteses, serão umas férias divertidas.
Regina tinha espírito de
aventureira e, no passado, já embarcara em algumas, mas nada parecido com
aquilo. Era a primeira vez que saía de casa, que se afastava dos pais e ficava
realmente por sua conta. Apesar dos confrontos rotineiros com o juiz seu pai,
Regina só agora se apercebia da sensação de segurança que ele lhe
proporcionava. Embora repetisse a si mesma que era uma mulher adulta e já
não precisava de ser protegida por ninguém, a verdade é que se sentia
bastante nervosa. Tivera uma discussão monumental com o pai e, perante a
proibição terminante deste mais a choradeira psicológica da mãe, Regina
fizera a mala e praticamente fugira de casa. Quer dizer, não fugira, porque
tinha vinte e cinco anos e não a podiam impedir, mas digamos que se
ausentara contra a vontade dos pais. Fosse lá o que fosse, a forma pouco
pacífica como partira, beijando a mãe em lágrimas — o pai recusarase a
despedir-se —, deixara Regina num estado de nervos difícil de dominar.
Sentia-se perturbada, a navegar num caldo de excitação e receio. A atitude
dos pais, que a tinham massacrado com perspectivas sinistras, a ver se a
desencorajavam pelo medo, havia surtido algum efeito, abalara-lhe a
determinação. E o atraso de Nuno não contribuía em nada para a tranquilizar.
Precisava do seu ombro para se sentir segura e, naquele momento, ali sentada
sozinha, a desesperar de ansiedade, com o placar a piscar chamando pelos
passageiros, o avião quase a partir, Regina já não sabia o que seria pior, se
embarcar no desconhecido, se ter de voltar para casa com o rabinho entre as
pernas, caso Nuno tivesse mudado de opinião quanto à viagem e,
simplesmente, não tivesse tido a consideração de a avisar. Ele não se
atreveria, ele não se atreveria...
procurou tranquilizar-se.


No outro lado do terminal, acoitado no seu esconderijo de improviso, Nuno
debatia-se numa perplexidade dos momentos decisivos. Ponderou muito
depressa as suas alternativas, resumindo-as enfim a duas pobres ideias sem
génio, sem grande préstimo, já que nenhuma lhe pareceu de todo em todo
conveniente. Ou enfrento o gajo e acaba tudo num banho de sangue , ou fujo
daqui para fora e perco o avião
. Qual delas a pior ... angustiou-se, incapaz de
se resolver. O avião, podia apanhá-lo amanhã, o problema era Regina, que
perderia toda a confiança nele em qualquer das circunstâncias. Não podia
deixá-la pendurada sem lhe dar uma palavra, uma satisfação. Mas que dizer?
Desculpa lá o mau jeito ontem, mas estava um tipo no aeroporto que me

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