Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Foi um momento estranho, temperado por um embaraço súbito, inesperado. Tinham acabado de
deixar o táxi e Cristiane pagou a derradeira conta daquela viagem inesquecível. Tiraram as malas do
porta-bagagens, entraram no prédio e ficaram ali a olhar um para o outro sem saberem muito bem o
que fazer. Deviam ir para o apartamento dela, para o dele, ou cada um para o seu? Era uma situação
que não tinham ponderado. À primeira vista, parecia não se tratar de uma questão muito importante,
poderia ir cada um para o seu e, mais tarde, voltariam a reunir-se no dela, no dele, não interessava.
Contudo, Cristiane sentiu que estavam perante uma decisão simbólica, que, de alguma forma,
marcaria o futuro deles. Ou bem que eram um casal a chegar a casa e entravam no mesmo
apartamento; ou bem que não passavam de dois amigos — namorados? — a regressar de uma
excelente viagem e a dúvida nem se punha.


Não era, realmente, uma opção decisiva, e, se não fosse pelo simbolismo, não teria importância
nenhuma. Cristiane prolongou o momento, fingindo que vasculhava a carteira à procura da chave da
porta — e uma mulher podia demorar uma eternidade a encontrar fosse o que fosse dentro da sua
carteira — para deixar João Pedro decidir-se. Ela não se importava nada que ele quisesse ir a casa
largar a mala, tomar um banho, abrir as janelas para arejar o apartamento, enfim, que fosse fazer o
que quisesse, mas o que desejava mesmo era que, primeiro, João Pedro entrasse consigo no seu
apartamento. Poderia ficar só cinco ou dez minutos e depois anunciar muito naturalmente que ia ver
se estava tudo em ordem lá por casa. Pronto, era isto, ele dava-lhe um sinal e ia à sua vida, e
Cristiane ficaria descansada e feliz da vida porque João Pedro lhe dera a entender, claramente, que,
no que de si dependesse, a história deles não acabava ali. Simples, não? Nem por isso.


João Pedro estava mortinho por voltar a casa e, como é evidente, não tinha a menor vontade de ir
para a dela — de ir para , e não entrar na , porque, na cabeça dele, era disso que se tratava.
Compreendeu que Cristiane adoraria se preferisse ir com ela, mas não percebeu que bastava ficar
apenas uns minutos e estava despachado, nem pensou que entrar alguns minutos fosse como uma
declaração de amor. Ou seja, João Pedro avaliou a situação de uma forma prática: Ela gostava que
eu fosse para sua casa, mas eu vou é para a minha e apareço mais tarde, ou digo-lhe que venha ter
comigo.

— Vou deixar as coisas em casa e tomar um banho — disse. — Vemo-nos mais tarde?
— Sim, claro — respondeu Cristiane, disfarçando na perfeição o desapontamento. A chave surgiu,
como que por magia, na mão dela. Antes de entrar, virou-se para trás e atirou-lhe um beijo por cima
do ombro.


Mas não se viram mais nesse dia, porque João Pedro tomou um duche, caiu na cama enrolado na
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