toalha e adormeceu quase instantaneamente. Quando acordou, telefonou a Cristiane, que, entretanto,
desistira de esperar por ele para jantar e fora deitar-se só com um chá e uma torrada para enganar a
fome.
— Adormeci — explicou ele. — Também já estavas a dormir?
— Já — respondeu-lhe com voz de sono. — A gente vê-se amanhã.
— Combinado. Dorme bem — disse, aliviado por não ter de se vestir para ir ter com ela.
Falaram-se novamente ao telefone no dia seguinte, era quase meio-dia. João Pedro ligou-lhe, já
vestido, depois de tomar banho, enquanto comia um iogurte na cozinha. Na noite anterior, deitara a
cabeça na almofada a pensar em fechar os olhos só por um bocadinho, para recuperar do voo, e,
afinal, dormira até de manhã. Nem se apercebera do cansaço acumulado após uma semana esgotante.
Mas, realmente, tinham estado sempre tão activos, de dia, a percorrerem o Rio de uma ponta à outra
e, de noite, a divertirem-se nos restaurantes, nos bares, nas discotecas. E, entre os passeios turísticos
e a vida nocturna, sobrara-lhes pouco tempo para o sono. Mas hoje sentia-se lindamente. Apanhou
Cristiane já na rua.
— Então, dorminhoco?
— Onde andas?
— Fui às compras, ao supermercado. Não tinha nada em casa.
— Mas, tu não morres de sono?
— Sabes como é, estou habituada às viagens.
— Pois, eu não. Dormi umas doze horas seguidas.
— Eu percebi. Devias estar cansado.
— Estava de rastos.
Almoçaram juntos. Cristiane bateu-lhe à porta quando chegou e foram para casa dela. Ao entrar na
sala, João Pedro teve um choque.
— Eu tive a mesma reacção — confessou ela, ao vê-lo mudo, a contemplar os quadros, enormes,
todos alinhados contra a parede. Era uma exposição impressionante.
Não é que não se lembrasse do que pintara, mas o distanciamento conseguia fazer maravilhas
quando se tratava de avaliar o próprio trabalho e, naqueles dias vertiginosos, João Pedro deixara-se
ir com a corrente, pintando quase por instinto, numa orgia criativa que envolvera uma mistura
inebriante de sexo desregrado, álcool e drogas. No final, partira para o Rio de Janeiro com a
sensação de que estivera sempre meio anestesiado, a caminhar nas nuvens, e que se divertira muito,
mas talvez não tivesse pintado nada de jeito. Por isso, vendo agora os quadros com o espírito
desanuviado, completamente sóbrio, a surpresa foi total. Tinha ali uma colecção de quadros de uma
intensidade tremenda. As cores, o traço seguro, as cenas retratadas, de uma crueza de cariz sexual
brutal, eram de tirar o fôlego a qualquer um. O primeiro impacto era chocante, não havia outra
palavra para o descrever, aqueles quadros perturbavam pela luxúria provocadora e completamente
amoral que ostentavam. Mas a genuinidade e a qualidade ultrapassavam tudo o que João Pedro já
pintara em mais de uma década de dedicação incondicional aos pincéis.
Sentou-se no chão a observar cuidadosamente a sua obra, sem ouvir uma palavra do que Cristiane
dizia, extasiado, como se atingido por um raio. Aquilo era tão diferente e tão bom que precisou de
uns minutos para se recompor do espanto. Tinha descoberto um novo caminho, pensou.