Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Já não falava com o marchand há meses e suspeitava que André estivesse mais interessado em
esquecê-lo do que em conversar. Afinal de contas, a relação com João Pedro sempre fora demasiado
complicada e não compensava os resultados que obtinha com a venda dos seus quadros. Mas André
não sabia que João Pedro estava diferente e a prova dessa transformação foi precisamente a conversa
telefónica um pouco surreal que tiveram. Surreal porque o tipo enérgico e determinado que lhe
telefonou não se parecia em nada com o João Pedro mole e acanhado que ele conhecia.
— Tenho uma nova colecção de quadros — anunciou João Pedro, radiante como um miúdo
desejoso de partilhar o seu entusiasmo.
— Tens estado a trabalhar?
— Não, tenho estado no Rio de Janeiro. Pintei-os antes da viagem.
— Rio de Janeiro, hem?
— Exacto. Uma semana.
— Supimpa — ironizou.
— André, tens de ver o que pintei!
— Vejo, claro — concedeu. — Quando é que queres vir cá?
— Não, não, não quero ir aí. Tens de vir tu cá para veres a colecção inteira.
— João Pedro, eu estou a preparar duas exposições, não tenho tempo nem para me coçar.
— André, não estás a perceber, isto é fa-bu-lo-so!
— Ah, é?
— É, nunca viste nada assim.
— Não são marinhas?
— Nada de marinhas.
— Então, o que pintaste?
— Retratos.
— Retratos?
— Sim, mas não dá para explicar. Tens de vir cá vê-los.
O marchand fez uma pausa, claramente a pensar no que dizer para se livrar dele. Que seca ,
pensou, João Pedro estava cansado de saber que não visitava os artistas, eles é que iam à galeria
mostrar-lhe o trabalho.
— Neste momento, não tenho hipótese nenhuma — disse.
João Pedro começava a irritar-se com a atitude enfastiada do marchand.
— Não tens hipótese nenhuma, uma porra!
— Como?
— André, não estás a ouvir-me. Tenho aqui uma colecção de quadros absolutamente espectacular.
Tu é que não estás a ouvir-me. Estou cheio de trabalho, portanto, se queres que veja o que

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