Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Não é assim tão claro, não lhes telefonas há semanas.
— Porque estive no Brasil — desculpou-se —, e depois tive a exposição...
— Ah! E não há telefones no Brasil?
João Pedro fez uma careta. Sou uma besta, pensou. Tinha-se esquecido completamente. Como era
possível ter-se esquecido de telefonar aos filhos?!
Clara contou-lhe que os gémeos perguntavam muitas vezes por ele.
— Tens razão — reconheceu. — Quando posso vê-los?
Combinaram que Clara deixaria as crianças em casa dele no dia seguinte, desligaram.


Foi uma conversa crispada, pouco amigável, e um choque para João Pedro. No fundo, ainda lhe
restava uma vaga esperança de reatar a relação com Clara. Não lhe passara pela cabeça que ela
tivesse alguém, pensara que as férias no Algarve com as crianças eram uma oportunidade para
repensar a sua decisão de o deixar e que, provavelmente, acabaria por concluir que se tinha
precipitado ao sair de casa. Mas, afinal, Clara não tencionava mudar de ideias e até já tinha planos
para casar. Com o patrão! Mas quem é que acabava um casamento de anos e decidia casar novamente
em semanas?! Ou seria que ela já se tinha envolvido com o patrão antes de se separar? Ficou a
cismar com isto.


João Pedro estava assombrado. Tinham-se passado tantas coisas em tão pouco tempo e,
francamente, não quisera parar um momento para reflectir no que lhe estava a acontecer. Deixara-se
ir, simplesmente, e intencionalmente, porque descobrira um meio eficaz de afastar os fantasmas e
agarrara-se a esse expediente psicológico com a tenacidade de um sobrevivente. A fragilidade dele
era a origem de todo o seu sucesso, pois fora a lutar contra ela que trilhara o caminho para o triunfo.
E num cantinho do subconsciente, ao anular essa fragilidade responsável pelo afastamento de Clara,
João Pedro tinha a secreta esperança de recuperá-la. Clara esforçara-se muito para o ajudar a tornar-
se o homem que era hoje, um pintor reconhecido, mas fora preciso ela sair da sua vida para que ele
conseguisse chegar lá. Ora, fazia sentido que Clara quisesse voltar para João Pedro e, assim,
partilhar com ele o estatuto da glória há tanto ambicionada. Porque Clara desejara, ainda mais do que
João Pedro, que ele fosse bem-sucedido. Mas era demasiado tarde, Clara desistira de o mudar e
tomara um rumo diferente para a sua vida, que não o incluía.


Ela sentia-se ofendida, e não o escondia. Nos últimos dias, lera nos jornais as maravilhas que
escreviam sobre João Pedro, vira-o na televisão irreconhecível na eloquência das suas intervenções,
e, pior ainda, era frustrante perceber que ele se aliara a outra mulher para concretizar o que ela
andara anos a insistir que fizesse. Clara sentia-se enganada e injustiçada. Entendia que o êxito de
Cristiane era o seu fracasso.
Do ponto de vista de Clara, o caso resumia-se aos seguintes pensamentos: A Cristiane é uma gaja
boa. João Pedro queria comê-la, e a condição para a levar para a cama era pintar o retrato dela.
Estou mesmo a vê-lo, a babar-se por ela. É claro que ele fez tudo o que ela lhe pediu. Só para lhe
saltar em cima, fez o retrato. Ah, queres um retrato? Mas com certeza, faz-se já o retrato, fazem-se
oito! Não seja por isso. E, ainda por cima, são oito retratos extraordinários, obras-primas.
Homens! São todos iguais. É patético...

É evidente que, se soubesse, Clara teria feito o mesmo, só que a estratégia de Cristiane não estava

Free download pdf