ao alcance de Clara. João Pedro não precisava de pintar coisa nenhuma para dormir com ela,
portanto, faltava-lhe o incentivo. Clara sentia-se menorizada em relação a Cristiane, pois bastava ver
os retratos para pensar que, comparada com a outra, não passava de uma mulher vulgar, desprovida
de qualquer beleza física.
Clara já pensara que seria divertido elaborar um pequeno livro a que chamaria Manual de Truques
para a Mulher Enrolar Um Homem. Nos seus devaneios sobre este tema universal, imaginara-se a
escrever o seguinte: O pensamento feminino, no que se refere aos homens, infere que, para estes, a
beleza é determinante, por isso a atitude da mulher para conquistar um homem concentra-se
especialmente neste aspecto básico da natureza masculina. Os recursos não são ilimitados, mas
ela entende que se utilizar sabiamente os seus melhores argumentos conseguirá atingir o
objectivo. Será subtilmente provocante, insinuando-se sem cair na vulgaridade, recorrendo à
linguagem corporal sem exagerar, simulando uma certa ingenuidade. E será descaradamente
encantadora, sorrindo e concordando sempre com o ponto de vista dele para não ofender o seu
instinto de macho dominador. Para o cativar, poderá mesmo menoscabar o temperamento feminino
em geral, dizendo que compreende perfeitamente a exasperação deles em relação a elas, mas que
ela própria é diferente, dando a entender que está em consonância com o pensamento masculino,
tanto quanto é possível sem perder a sua feminilidade.
Clara conhecia todos os truques para enrolar um homem, mas estava convencida de que, no caso de
Cristiane, nem fora preciso grandes conversas para ela o manipular. Era tão bonita que, certamente,
não tivera de se esforçar muito. Prova disso, é que João Pedro lhe caíra na teia num instantinho. Mais
trivialmente, diria Clara, ficou agarrado pelos tomates em três tempos.
João Pedro não concordaria com esta visão simplista de Clara, bem entendido. De facto, Cristiane
não o tinha agarrado por coisa nenhuma. Gostava dela, sentia-se fascinado pela sua beleza, mas,
mesmo a beleza mais extraordinária ia perdendo o seu fascínio com a normalidade de uma relação.
Era depois de ultrapassada a euforia da conquista que o amor enfrentava o verdadeiro desafio,
quando havia amor. Ora, João Pedro não se sentia genuinamente apaixonado por Cristiane, e a
euforia dos dias excessivos em que pintara soberbos retratos em casa dela havia esmorecido. A
viagem ao Rio de Janeiro pusera-os à prova. Tinha sido uma semana em que estiveram juntos vinte e
quatro horas sobre vinte e quatro horas e, já nessa altura, João Pedro sentira algum cansaço do
espírito caprichoso de Cristiane. Mesmo quando procurava agradar, a natureza dominadora dela
deixava pouco espaço para uma relação equilibrada. Depois, Carol intrometera-se, quebrara a
harmonia e desviara a atenção de João Pedro.
Ainda assim, se não fosse uma infeliz coincidência, Cristiane teria regressado para João Pedro sem
nenhuma reserva, mas Carol entrara na vida dele como um furacão e continuou a fazer estragos.