os obrigaria a tomar decisões levava-os a adiar tacitamente o assunto. Bem, João Pedro entendia esta
relação descomprometida com a ingenuidade de quem se colocava nas mãos de um destino marcado.
Já Carol, mais fria e cerebral, premeditava estrategicamente os passos que dava. Não é que quisesse
ignorar a relação que João Pedro ainda mantinha com Cristiane, mas optou por esperar que ele se
definisse. Não fazia perguntas, não o forçava a escolher. Era tudo demasiado recente, uma semana
apenas, o instinto dizia-lhe que não devia pressioná-lo.
Mas quem era Carol, afinal? Se fôssemos esgravatar a vida desta mulher surpreendente,
descobriríamos uma alma secreta que procurava ocultar o passado. Carol era sofisticada e bastante
popular nesse meio muito especial das pessoas do mundo da moda, do espectáculo, da televisão, dos
negócios da noite. Ela gravitava indelevelmente pelas discotecas e festas exclusivas de Lisboa, pelos
espectáculos mais concorridos, pelas passagens de modelos e outros acontecimentos da moda do
ano.
Possuía uma invejável colecção de vestidos de marca, investia muito na sua imagem, considerando
que a elegância nunca era demais. E estava certa, pois atraía a atenção das mulheres que lhe
admiravam o bom gosto e queriam ser suas amigas, e dos homens que se sentiam atraídos por ela e
estavam dispostos a pagar os seus caprichos sumptuosos para a cativar. Carol era exigente, fazia
parte do jogo não baixar a fasquia para se valorizar.
Porém, quando ia a um evento não era tanto para se divertir, mas para conseguir os clientes que lhe
proporcionavam os proventos que lhe permitiam ter uma vida bastante confortável. Precisava de
muita visibilidade, de aparecer e espalhar charme e alegria, de se evidenciar, de ser encantadora. O
resto vinha naturalmente. Todos queriam fazer uma sessão fotográfica com Carol, porque era
obrigatório, porque depois podiam exibir o resultado nas suas páginas do Facebook e colocar um
comentário elogioso que incluísse a palavra amiga ao referirem-se a ela. Carol nunca aliciava
ninguém para fotografar, Carol era Carol, a fotógrafa na moda que escolhia, de entre a interminável
fila de ansiosos interessados, quem tinha e quem não tinha o privilégio de uma sessão de fotografia
no seu estúdio. Em regra, havia uma longa espera de semanas antes de alguém receber um telefonema
da assistente de Carol a marcar o dia e a hora da sessão. Só havia uma oportunidade, quem não podia
comparecer perdia a vez. Os eleitos eram recebidos com morangos e champanhe e tinham toda a sua
atenção. Só fotografava uma pessoa por dia. Mais tarde, o cliente recebia a conta, de um valor
absurdo, para pagar pelos seus serviços. Ninguém reclamava, embora também não houvesse
surpresas, porque o cliente era avisado antecipadamente de quanto lhe seria cobrado. O caso de João
Pedro fora diferente, sem champanhe, morangos e assistente, mas sem ir para a fila nem pagar pelas
fotografias.
Carol aparecia nas revistas sociais ao lado dos artistas famosos que as pessoas comuns gostariam
de conhecer e, desse modo, ganhava também o estatuto de famosa. Agora, que João Pedro surgira do
nada com os seus quadros arrebatadores, arriscando-se a ser considerado o homem do ano, lá estava
Carol ao seu lado. Conhecê-lo no Rio de Janeiro fora um golpe de sorte que ela tencionava
aproveitar ao máximo. Logo que regressara a Lisboa e recebera o convite dele para fotografar a
inauguração, livrara-se do namorado chato que já tolerava há demasiado tempo e fora à caça.
Não se envergonhava de defender os seus interesses. Quando pensava nisso, encolhia os ombros e
perguntava-se com uma pontinha de cinismo, quem é que, de uma maneira ou outra, não era
interesseiro neste mundo?