Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

lembra, a mãe era uma mulher corpulenta e mexia-se lentamente, como se tivesse dificuldade em
deslocar-se.
À medida que foi crescendo, Carol foi ganhando uma maior consciência de ser discriminada pela
mãe em relação à irmã, seis anos e meio mais velha. Nunca soube a razão, mas um dia, folheando na
companhia do pai um álbum de fotografias antigo, viu alguns retratos da mãe dezasseis anos mais
nova e muito magra. Lembra-se como se fosse hoje, os dois sentados no velho sofá da sala que já
tinha umas quantas queimaduras dos cigarros do pai. Ele era descuidado a fumar e a mãe repreendia-
o constantemente, receosa de que acabasse por provocar um incêndio. Carol ficou surpreendida com
o que via.
— O que ela mudou — disse. — Era tão magra.
— Sim, ela ficou bastante doente quando tu nasceste, e nunca recuperou completamente.
— Doente, com quê?
— Não sei explicar bem, foi uma infecção que teve no hospital e, depois, mais algumas
complicações.
Carol notou que o pai se atrapalhava e, embora curiosa, não insistiu no assunto. Ele tinha só a
quarta classe e sentia-se vexado quando a falta de instrução lhe criava situações embaraçosas. Carol
poupou-o a um interrogatório, mas também não procurou esclarecer o assunto com a mãe. Porém,
tomou esta revelação como uma explicação clarividente para o escasso amor que a mãe mostrava por
ela. Foi um choque. Tinha então quinze anos e o ressentimento da mãe pareceu-lhe uma injustiça
tremenda. Que culpa tinha ela dessas complicações pós-parto? Não pedira para nascer, fora uma
decisão dos pais!
Noutra ocasião, ficou a saber por um infeliz desabafo da mãe que a gravidez tardia não fora
planeada. Nascera, portanto, devido a um descuido deles e o parto tivera consequências nefastas
para a saúde frágil da mãe.


O pai de Carol era um homem taciturno, muito metido consigo mesmo e pouco dado a conversas. A
relação dele com a mulher talvez tivesse sido feliz no início do casamento, Carol não saberia dizê-
lo, mas, desde que ela se lembrava, só encontrava uma palavra para a descrever: desastrosa. A mãe
vivia a massacrar o pai com recriminações constantes, acusando-o de ser um falhado, culpando-o por
serem pobres. Na verdade, o salário dele dava à justa para levarem uma vida digna, não lhes
permitindo despesas supérfluas. A mãe, que por acordo mútuo nunca trabalhara senão nas tarefas
domésticas, sentia-se à-vontade para se queixar em vez de o apoiar. Em contrapartida, ele nunca
retorquia porque se considerava, de facto, responsável por não conseguir oferecer uma vida melhor à
família.


Na sua adolescência, a relação de Carol com a mãe foi-se tornando mais conflituosa. Ela não
verbalizava o motivo, mas revoltava-se por não ser amada e reagia provocando confrontos
desgastantes que desesperavam a mãe. E depois, Carol assistia aos ataques injuriosos que a mãe
fazia ao pai e sentia-os como se fossem dirigidos a si, porque lhe parecia que ela era igualmente
injusta com os dois.
A irmã de Carol tinha-se transformado numa alma gémea da mãe. Laboriosamente manipulada por
esta, estava sempre pronta a soltar as garras para a defender. Menina mimosa de sua mãe, apoiava-a
incondicionalmente e voltava-se contra Carol quando ela a enfrentava, porque a mãe se ia queixar à

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