crónicas para se fazer de pobre sofredora e manipular emocionalmente o marido e as filhas. O pai
desleixava-se com a saúde e, entretanto, perdera uma boa parte dos dentes por não ir ao dentista e
usava uns óculos para ver ao perto, comprados negligentemente na farmácia, para as raras vezes que
precisava de verificar uma factura, ler um rótulo ou tomar algum apontamento no livro de contas da
quinta.
Mas agora era diferente. Carol percebeu que o pai não estava bem. Sem saber que medidas tomar,
telefonou à irmã. Apanhou-a a meio de um turno no hospital de Aveiro, onde, também ela, se
afadigava sem vida própria, refém do trabalho e dos livros.
— Liguei-te porque vim a casa e percebi que o pai não está bem.
— Não está bem, como?
— Não está bem, está doente.
— Doente com quê?
— Não sei, não faço ideia, mas não me parece coisa boa. Tens de vir cá vê-lo depressa. Podes vir
hoje?
— Hoje, Carol? Estou a meio de um turno no hospital, não posso sair daqui.
— Tu não estás a perceber. O pai está muito doente!
— Carol, acalma-te. Eu vou assim que puder, mas diz-me o que é que ele tem.
— Já te disse que não sei.
— Eu percebi que não sabes, mas quais são os sintomas?
— Perdeu imenso peso, está muito fraco, fica sentado no sofá o tempo todo, branco como a cal,
não se mexe, não fala.
— Tem febre?
— Não, não sei, acho que não.
— Está bem, vou ter de o ver. Hoje não posso, mas vou assim que puder.
— Sim, mas vem depressa, por favor.
Embora não fosse a casa há mais de um mês, a irmã apareceu logo no dia seguinte de manhã. Tal
como Carol, ficou chocada com o aspecto do pai. Fez-lhe muitas perguntas certeiras e, no final, tirou-
lhe com gentileza o cigarro que queimava periclitantemente entre os dedos amarelecidos com a cinza
que ele se esquecera de deitar no cinzeiro. Disse à mãe, sentada ao lado dele, que a partir daquele
dia se acabavam os cigarros, decretou que o levaria ao hospital para fazer vários exames na semana
seguinte. O pai esboçou um fraco protesto, mas as irmãs aliaram-se, inflexíveis, e não lhe
concederam o direito de recusar. De qualquer modo, o pai estava muito fragilizado para se opor.
As três mulheres tiveram ainda uma conversa reservada enquanto ele fazia uma sesta a seguir ao
almoço. As filhas admoestaram a mãe por ter deixado o pai chegar àquele estado sem as prevenir.
Como era possível que não se tivesse apercebido? Ela defendeu-se como sabia melhor: a chorar e a
queixar-se que também andava adoentada e que ele nunca ligava ao que ela dizia, e balbuciou uma
série de incoerências, levando-as a desistir de lhe pedir explicações. Carol olhou para a irmã e
encolheu os ombros; ela respondeu-lhe com um abanar de cabeça e uma expressão resignada. Não
valia a pena, pensaram, eram os dois irresponsáveis.