Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Carol só voltou a falar com a irmã alguns dias mais tarde, ao telefone, já regressada a Lisboa, e as
notícias não eram boas. A irmã explicou-lhe que os médicos tinham diagnosticado um tumor nos
pulmões, com demasiadas metástases para que pudesse receber um tratamento eficaz. Carol entrou
em pânico.
— Não, não, não. Temos de fazer alguma coisa! Tens de tentar algum tratamento.
— Carol, não estás a ouvir o que te estou a dizer, é tarde de mais.
— E quimioterapia?
— A quimioterapia não vai tratá-lo, só vai enfraquecê-lo e piorar a sua qualidade de vida.
— Pior do que já está?
— Sim, pior do que já está.
— Pareces uma médica a falar!
— Eu sou médica, Carol.
— Estás a falar do teu pai!
— Eu sei.
— Então, o que podemos fazer para o ajudar?
— Neste momento, só podemos ajudá-lo a viver o tempo que lhe resta o mais confortavelmente
possível.
— Não, desculpa, mas isso não é suficiente.
— É o que podemos fazer. Acredita que, se pudesse, faria tudo por ele.
— Não parece.
— Carol, ele também é meu pai!
— Então, ajuda-o!
— Vou fazer isso, vou fazer isso.
Carol estava a chorar quando desligou o telefone sem se despedir da irmã.


O pai morreu cinco semanas depois. Carol esteve ao lado da mãe e da irmã na missa do funeral,
inconsolável. Foi com elas para casa a seguir à cremação, mas não ficou, preferiu apanhar o último
comboio para Lisboa, queria fugir daquele lugar que a entristecia. Sentada no seu lugar junto à
janela, observava com olhos ausentes os campos e as casas a desfilarem à velocidade do comboio,
como se fosse a vida a passar depressa. Por baixo dos óculos de sol escorriam-lhe copiosas
lágrimas. Pensava no pai e sentia-se perdida, sentia um vazio, uma sensação de que ficara sozinha no
mundo e não tinha ninguém que a apoiasse.
Recordava o pai com carinho, haveria de o evocar sempre como a pessoa mais importante da sua
vida. Era um homem triste, derrotado pelo mundo, e ela só pensava que o abandonara nos
derradeiros meses da sua vida.

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