— Pois vou. Vou e não volto nunca mais.
Saiu porta fora, correu para a estação, afastou-se e continuou a afastar-se cada vez mais,
cumprindo o que dissera antes de sair.
Nos anos seguintes, Carol recusou todas as tentativas de contacto com elas, rejeitou os telefonemas
insistentes da mãe, que foram rareando até cessarem, e ignorou as sms apaziguadoras da irmã, que
ainda lhe enviou uma mensagem de parabéns por ocasião do aniversário dela nos três anos seguintes
e um convite para o seu casamento que Carol nem se dignou responder.
Ainda hoje, não conhecia o marido e as duas filhas da irmã. A ofensa que a cegara foi perdendo
força e já não se orgulhava de ter sido tão intolerante. Naquela época, exagerara, se estivesse no seu
estado normal teria aceitado a única explicação possível para o que acontecera: o pai morrera
porque fumava três maços de tabaco por dia. Acusar a mãe e a irmã fora uma insensatez.
Tinha muita pena de não acompanhar o crescimento das sobrinhas, mas o passado fizera estragos
arrasadores e o orgulho ocupara demasiado espaço no coração de Carol para que fosse capaz de
voltar atrás, engolir a soberba e reparar a injustiça. Um dia , comprometia-se para dar descanso à
consciência, um dia, quando tiver um filho, levo-o lá para elas o conhecerem.
Mas esse dia não chegava, e Carol sabia que estava a enganar-se a si própria. Um ano passava, e
outro, e outro ainda, e Carol ia soçobrando numa vida esplendorosa que não a fazia feliz. Os seus
namoros empenhados extinguiam-se insensivelmente, mercê das relações fátuas que mantinha com
tipos dissolutos que eram adulados pelas revistas, mas sempre prontos a apaixonarem-se pela
próxima mulher de sonho que lhes aparecesse à frente. Carol, sem assentar, sem amor, sem filhos,
considerada também uma dessas mulheres desejadas pelos homens do país inteiro, sendo o oposto do
que transparecia, via-se ao espelho com a sensação de andar a enganar meio mundo e tinha este
pensamento derrotado: És uma farsa.