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Carol parecia ter uma certa tendência para provocar desastres em série e João Pedro começava a
desconfiar de que poderia não ser apenas aselhice. No entanto, como ainda não a conhecia bem,
hesitava na interpretação que devia fazer dos vários episódios inconvenientes que ela protagonizara
em tão pouco tempo. Não sabia o que pensar de Carol, se era realmente desastrada ou se forçava as
situações de propósito.
À tarde, João Pedro saiu com os filhos quando percebeu que não os aguentava mais em casa.
Deram um passeio a pé, os gémeos iam a correr à frente enquanto ele empurrava o carrinho do bebé.
Pararam numa pastelaria, onde pediu uma quantidade absurda de bolos e bebidas, que,
definitivamente, Clara não aprovaria, só para manter os gémeos felizes e ocupados.
Observou-os de espírito um pouco ausente a comerem e a fazerem asneiras com a comida.
Distraiu-se a pensar nas embaraçosas peripécias de Carol. A certa altura, teve de retirar o bebé do
carrinho, pegar nele ao colo e embalá-lo para evitar que chorasse. Como perdera a chucha, deu-lhe o
biberão da água para o entreter. Sentia-se feliz por ter os filhos consigo outra vez, embora tomar
conta deles fosse uma tarefa difícil e tivesse a certeza de que chegaria ao fim do dia arrasado. Agora,
os gémeos implicavam um com o outro e João Pedro tentava impor a sua autoridade sem grande
sucesso. Eles deitaram a mão à chávena de café que João Pedro acabara de tomar e dedicaram-se a
fazer misturas nojentas num copo de leite com tudo o que havia na mesa: bebidas, açúcar, restos de
bolos. João Pedro suspirou, abanou a cabeça, voltou aos seus pensamentos.
No final da manhã, ao sair de casa de João Pedro, Carol tivera um segundo encontro inoportuno.
Ainda não fechara a porta do prédio quando se deparou com Cristiane. Ela acabara de sair de um
táxi, chegada do aeroporto, e estacou no passeio a olhar para Carol, como se tivesse dificuldade em
acreditar no que os seus olhos viam. Carol teve um instante de hesitação, sem reacção, mas logo o
seu rosto se abriu num grande sorriso de reconhecimento.
— Cristiane! Chegaste agora do Rio de Janeiro?
— Cheguei. Que fazes aqui? — perguntou-lhe sem rodeios.
No semblante de Cristiane não havia sombra de sorriso e a voz dela soou áspera.
— Vim ver o João Pedro.
— Ah...
— Pois é, esqueci-me que também moras aqui — disse Carol, a esforçar-se para manter um
diálogo amistoso, em contraste com a atitude desabrida de Cristiane.
— Sim, moro — confirmou.
Carol esticou-se, a segurar a porta para a deixar entrar. Cristiane avançou a puxar uma pequena
mala com rodinhas, passou por ela, entrou.
— Adeus, Carol — disse, voltando a cabeça e fuzilando-a com o olhar.