Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1
Ela fez-se de desentendida, não desarmou o sorriso, disse ainda para dentro:
— As fotografias da inauguração ficaram muito giras, pede ao João Pedro para te as mostrar.
— Está bem, depois vejo-as.

Apesar desta derradeira astúcia de Carol para instalar a dúvida na mente de Cristiane, fazendo-a
crer que viera apenas pelas fotografias, ela não se deixou enganar. Pelo contrário, sentiu-se furiosa.
Pensou que se Carol imaginava que engolia a história das fotografias era porque não a conhecia
mesmo. Não era estúpida nenhuma, sabia perfeitamente que as fotografias se enviavam por e-mail ou
disponibilizavam-se fornecendo um link ao cliente. Certamente não entregava as fotografias
pessoalmente a ninguém.
Entrou em casa, fechou a porta, subiu ao quarto, despiu-se com gestos bruscos, foi para a casa de
banho, abriu a torneira da água fria, enfiou-se debaixo do chuveiro. Deixou que a água escorresse
pelo corpo e a refrescasse enquanto pensava no que acabara de acontecer.
Cristiane chorou. Chorou de raiva e de desapontamento; chorou por ter sido ingénua ao acreditar
que João Pedro fora sincero com ela; chorou por ter confiado nele. Mas Cristiane confiou em João
Pedro porque estava apaixonada por ele e quis convencer-se de que havia uma explicação para o seu
comportamento em relação a Carol.
No passado, Cristiane desfizera várias relações por ter medo de sofrer uma desilusão. Antecipara
a ruptura por iniciativa própria antes de se permitir apaixonar-se pelos namorados que se
empenhavam em cativá-la. Na mente dela persistia a memória das penosas desilusões de amor que
tivera de suportar quando era adolescente e o pai arrastava a família por esse mundo fora, por mudar
de posto diplomático frequentemente. Cristiane habituara-se a não ter namorados duradouros, pois
sabia que em breve poderia mudar de país e ser obrigada a deixá-los para trás. Em consequência
disso, desenvolvera um bloqueio aos afectos para se defender dos desgostos de amor. Já adulta e
dona da sua vida, dizia a si própria que não precisava de estabilidade emocional para nada. Contudo,
recentemente começara a ultrapassar esses medos de outrora e quisera dar uma oportunidade à
relação com João Pedro. Pela primeira vez em muito tempo sentia-se feliz com alguém e acreditava
que poderia assentar, ter uma vida normal, quem sabe se até mesmo engravidar. Lentamente, o
coração solitário que habitara em Cristiane tinha vindo a abrir-se e a dar espaço a emoções antes
proibidas. Por coincidências do destino, fora João Pedro quem surgira na sua vida para a acordar de
uma longa noite sentimental.


Cristiane sentia-se muito abalada e traída. Já perdera namorados devido a circunstâncias da vida
que não dominava; perdera outros porque os abandonara, mas nunca perdera um homem para outra
mulher. Ser trocada por Carol era, portanto, uma derrota devastadora e difícil de aceitar.
Depois de tomar banho, secou-se vagarosamente, imersa em pensamentos dolorosos, embrulhou-se
num roupão turco, deitou-se na cama e encolheu-se toda, recolhendo as pernas junto ao peito. Acabou
por adormecer, vencida pelo cansaço da viagem e das emoções feridas. Caiu num sono profundo, de
onde só emergiu muitas horas depois por insistência do toque do telemóvel, que se infiltrou na sua
mente adormecida até a despertar. Sentou-se estremunhada, procurando orientar-se na escuridão. A
noite descera sobre o quarto e Cristiane precisou de um momento para se lembrar onde estava.
Esticou o braço e enfiou a mão na carteira que ficara esquecida ao fundo da cama. Levada pela
urgência de calar o toque irritante do aparelho, atendeu sem verificar quem era.

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