espanto exagerado — foi, evidentemente, uma forma descarada de lhe dar a entender que não era
parva e que antecipara aquela situação. A atitude de Cristiane pretendia evidenciar que sabia ao que
ia e que estava a gozar o prato. Cristiane não improvisara ao longo da noite, tivera uma madrugada
inteira de insónia para repensar a relação com João Pedro e ponderar o que deveria fazer.
No momento em que entrou na sala já desistira dele. Não fora uma decisão de ânimo leve, mas já
chorara o que tinha a chorar e, afinal, só ia lá a casa para encerrar esse capítulo da vida dela.
Encerrar em beleza, bem entendido.
Cristiane sentia-se traída por João Pedro, não tanto por ele desejar Carol e ter a desfaçatez de a
seduzir praticamente à sua frente, mas por ele querer as duas ao mesmo tempo. Um homem
apaixonado por uma mulher não a juntava com outra. Bem, havia homens para tudo, mas para
Cristiane o amor só se justificava pela exclusividade. Ela acreditara que João Pedro a amava e
confiara nele ao ponto de se tornar vulnerável ao seu amor e abrir defesas que preservava desde
miúda. Em suma, Cristiane pensara que João Pedro era o homem da vida dela, a pessoa certa, e, por
isso, não receou a desilusão. Era a primeira vez em muitos anos que se sentia assim com alguém. E
também era a primeira vez que não acabava uma relação abruptamente, por iniciativa própria.
Mas agora censurava-se por ter sido ingénua. Sentia que fora usada por João Pedro e custava-lhe a
crer que ele pudesse ser tão diabolicamente manipulador, mas a realidade era o que era e não podia
negar o que estava à vista.
Se estivesse ao seu alcance, Cristiane teria queimado todos os quadros. Aqueles retratos outrora
adoráveis pareciam-lhe hoje ofensivos, porque entendia que João Pedro a enganara para a convencer
a deixar-se retratar. Adoraria vê-los a serem consumidos pelo fogo, fazê-los desaparecer para
sempre, e com eles tudo o que João Pedro lucrara à custa do seu sofrimento. Mas isso não podia
fazer, o que podia fazer era dar-lhe uma lição de que nunca mais se esquecesse. Desta forma se
compreendia porque Cristiane o visitara na noite anterior. Não fora lá porque tinha saudades e ainda
acreditava nele, mas sim para o humilhar, para deixar bem claro que não permitia que brincasse com
ela.
Já o que se passara a seguir com Carol — ou que ela presumia que se tivesse passado, pois não se
lembrava de tudo — ficava por conta do álcool e dos charros. Descontrolara-se, perdera a noção e
fora longe demais, bastante mais do que planeara, em todo o caso. Cristiane nunca se tinha deitado
com uma mulher, jamais fizera semelhante coisa, nem sequer na sua juventude se sujeitara a essa
experiência para satisfazer a curiosidade, como algumas raparigas que conhecera. Não estava na sua
natureza.
E Carol? Carol muito menos. Carol não era tão sofisticada como parecia porque, apesar de todos
os predicados que a tinham ajudado a subir na vida, Carol era como um camaleão de muitas cores:
adaptava-se aos ambientes que frequentava, mas não lhes pertencia.
Na época em que saiu da universidade com o curso concluído, há uma eternidade, Carol era uma
miúda cheia de esperança e energia, dona de uma confiança insuperável. Estava feliz e tinha o mundo
à espera dela! Hoje em dia, não sabia dizer o que falhara, ou onde é que falhara. Vivia bem, ganhava
mais dinheiro do que precisava, profissionalmente corria-lhe tudo muito bem, mas a vida pessoal era
um fracasso. Claro, privava com as pessoas que toda a gente adoraria conhecer, tratava-as por tu, no
entanto, a quantas poderia telefonar a meio da noite se estivesse doente e precisasse de ajuda?