Praticamente nenhuma. Ia aos melhores restaurantes de Lisboa, às discotecas da moda, só pisava
tapetes vermelhos, áreas reservadas, lojas de marca, cabeleireiros famosos, galas das televisões, a
Quinta do Lago no Algarve e iates de sonho em Formentera, no Verão, lugares de primeira nos
aviões, a sua vida era uma vertigem de luxo. E o melhor de tudo, nem sequer precisava de pagar
quase nada porque era convidada quase sempre! Mas ao fim do dia via-se ao espelho e pensava: És
uma farsa...
Por mais que mudemos ao longo da vida, por muito que tentemos esconder muito bem os
pormenores do passado de que não nos orgulhamos particularmente, ele não nos larga, fica enraizado
no nosso subconsciente e condiciona o nosso pensamento, a nossa maneira de ver o mundo. Carol era
aquela menina de vestido que adejava ao vento enquanto corria pela quinta de uns senhores ricos
atrás do pai, um homem modesto que fumava cigarro atrás de cigarro e avisava a filha que a família
era o bem mais precioso de uma pessoa, o único lugar onde ela poderia voltar quando se sentisse
perdida.
De manhã, ao acordar, Carol vestiu-se demoradamente, adiando o momento de sair do quarto e de
encarar Cristiane e a pensar o que estou eu a fazer aqui? O que ela estava a pensar, de facto, é que
queria casar, ter filhos, uma família, e desejava tanto isso que perdera o norte, fazia as maiores
maluqueiras para conseguir obter o que aspirava tão desesperadamente.
Carol não se apaixonara por João Pedro como Cristiane, mas não se importara de destruir a
oportunidade de Cristiane ser feliz com João Pedro por imaginar que também poderia vir a
apaixonar-se por ele. Fora egoísta e irresponsável.
No momento em que acorda e se vê constrangida na cama de uma estranha — porque Cristiane não
passa de uma estranha de quem Carol quase nada sabe — ela sente repulsa e raiva por João Pedro.
Para todos os feitos, pensa, foi ele quem a colocou nesta situação terrivelmente embaraçosa.
Ontem, embriagada e drogada, pareceu-lhe uma óptima ideia ir acabar a noite na cama com
Cristiane; hoje, não sabe onde se enfiar, de vergonha. E culpa João Pedro por ele ser fraco e incapaz
de escolher entre as duas. Fraco, incapaz, e uma besta voraz como todos os homens, já agora, pois se
não fosse um tipo de pouco carácter e licencioso não teria desejado as duas ao mesmo tempo, ou
pelo menos teria sabido controlar a tentação. Foi por isso que Carol adorou a ideia de abandonar
João Pedro e sair da sala de mão dada com Cristiane. Nesse instante extraordinário — uma
inspiração de Cristiane, sem dúvida —, Carol formou com ela uma aliança feminina contra o
desprezo dos homens pelo amor. Por entre a bruma que lhe turvava a percepção da sala de João
Pedro, ela julgou ter o pensamento clarividente de que os homens, com o seu inveterado instinto de
caçadores, aviltavam as mulheres e só estavam interessados nos corpos delas. Quantos mais e mais
bonitos melhor.
Carol sentiu especial repulsa e raiva por João Pedro porque personalizou nele todos os homens e
toda a sua frustração por não conseguir ser feliz com nenhum, por nunca ter encontrado um homem
que a amasse e de quem pudesse dizer que era diferente dos demais. É evidente que Carol não teve
em conta o estado alterado de João Pedro, na altura tão embriagado e drogado quanto ela. A
circunstância poderia desculpabilizar o seu comportamento pouco ortodoxo, digamos assim, mas
Carol não pensou nisso, e ao acordar também não. Ela não está interessada em arguir atenuantes a