— Sem forçar nada.
— Nadinha.
— Está bem.
Assim foi, mas não contara com a indiferença de João Pedro. Definitivamente, ele não mostrara o
menor interesse por ela, pelo contrário, mantivera-se calado, fizera uns sorrizinhos parvos,
despachara-a.
Passou as portas duplas do ginásio, seguiu directa para o vestiário, apanhou um cabide, esvaziou o
saco para trocar de roupa, imersa em pensamentos lúgubres. Fervia de indignação a pensar que João
Pedro fora condescendente com ela. O sacaninha achava-se demasiado importante para lhe dar
atenção? Então, ele que se lixasse. Decidiu que não voltaria a falar com João Pedro e que o ignoraria
todas as vezes que o encontrasse na faculdade. Depois foi descarregar a raiva com murros e pontapés
na aula de Body Combat.
As pessoas poderiam perguntar-se o que teria levado Clara a interessar-se por João Pedro, sendo
ele, provavelmente, o tipo mais feio da faculdade. Poderiam pensar, tudo bem, é feio, mas é o melhor
aluno do curso, é culto, deve ter uma conversa interessante e ela ficou fascinada com ele. E até
poderia ser verdade porque toda a gente sabe que as mulheres não privilegiam a beleza quando
escolhem um parceiro, pelo menos quando escolhem um parceiro a pensar no futuro e se não se trata
de uma coisa passageira ou de um troféu para exibir às amigas. Mas Clara não podia estar fascinada
com a conversa de João Pedro porque não o conhecia e, mesmo depois de o conhecer, só estivera
alguns minutos com ele e não houvera propriamente uma conversa, mas uma espécie de solilóquio,
uma sequência de frases nervosas, já que ele não falara e ela não se calara.
Mas Clara sabia muito bem o que pretendia. No fundo, queria o que sempre desprezara na mãe,
mas julgando que fazia o contrário dela.
A mãe tinha conhecido o pai de Clara por ocasião da morte do pai dela, o avô de Clara. Ele entrou
na capela mortuária e foi, muito pesaroso, cumprimentar em redor do caixão todos os senhores,
apertando-lhes a mão com as duas mãos, tendo só palavras elogiosas para a figura extraordinária que
era o defunto, a pena que lhe fazia, que se perdia um homem grande, um dos bons! Beijou
respeitosamente a mão a todas as senhoras, cheio de cerimónia, de consideração. Viu-se logo que
estava ali um cavalheiro educadíssimo, um gentleman. Foi particularmente atencioso com uma
rapariga de cabelo escuro e liso, olhos esverdeados, boca carnuda, um verdadeiro encanto, que o
enterneceu. Era a filha inconsolável do morto. Teve de refrear o entusiasmo enquanto a confortava,
ela toda a tremer numa agonia chorosa, sacudida por soluços, ele emocionado, cheio de instintos
protectores, pegando-lhe a mão, oferecendo-lhe um lenço para que secasse as lágrimas, reprimindo o
impulso de a abraçar. Mas não a conhecia, vinha só cumprir uma obrigação, uma seca que os pais lhe
tinham arranjado, porque estavam no estrangeiro e pediram-lhe que os representasse.
Depois dos cumprimentos foi encostar-se à parede em recolhimento ao lado de um amigo. Este,
inclinou-se para lhe falar ao ouvido.
— Sabes quem é esta gente?
— Não conheço ninguém.
— Mas falaste a todos.