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No dia seguinte a ter sido abandonado na sala, João Pedro acordou num estado deplorável, deitado
de lado no sofá, a babar-se. A certa altura da madrugada acabara por adormecer, fora algo assim
como perder os sentidos. Ainda se aguentara uma boa meia hora a falar sozinho, a resmungar
incoerências, convencido de que Cristiane e Carol regressariam à sala, mas elas não voltaram e ele
apagou-se.
Já passava da uma da tarde quando João Pedro ressuscitou, incomodado pelo zumbido de um
mosquito nos ouvidos. Abriu um olho, o outro, lembrou-se de como acabara a noite e voltou a fechá-
los, desejando adormecer de novo para se livrar das recordações embaraçosas. Mas fazia um calor
tremendo e já não tinha sono. Só um grande desconforto. Lentamente, sentou-se no sofá. Ainda vestia
a roupa da véspera, desabotoada e enxovalhada, que era mais ou menos como ele se sentia também,
emporcalhado e pegajoso de suor. O cabelo desgrenhado e a barba cheiravam a fumo e a álcool.
Precisava de tomar um banho com urgência. Levantou-se a custo. Havia copos, garrafas e cinzeiros
a deitar por fora no tapete. Tinha só um sapato calçado e foi para cima a coxear e azamboado devido
à tensão baixa provocada pelo calor. Tomou um longo e regenerador duche de água fria que o ajudou
a sentir-se melhor, mas só fisicamente, porque já não experimentava uma sensação de prostração tão
grande há muito tempo. João Pedro era um homem derrotado.
Sabia que tivera um comportamento censurável, embora também pensasse que fora injustamente
enganado por Cristiane e Carol. Mas porquê?
Ali está João Pedro, no duche, a tentar aclarar as ideias com alguma dificuldade. A interpretação
que ele faz dos acontecimentos da noite passada é diametralmente oposta à delas, porque a tendência
de um homem é para simplificar. Vejamos a reflexão de João Pedro: Primeiro elas provocam-me,
atiram-se para cima de mim sem eu fazer nada, metem as mãos e as pernas por todos os lados,
esfregam as mamas no meu corpo e começam a despir-me; depois beijam-se que nem umas
malucas, vão-se embora e deixam-me sozinho. O que raio lhes passou pela cabeça?!
E tem razão, foi exactamente assim que as coisas se passaram, sem tirar nem pôr. Dá que pensar.
João Pedro tem de procurar pôr-se nas cabeças de Cristiane e de Carol, pensar como elas para
conseguir entender as suas motivações, enfim, para tentar entender, porque nada é garantido quando
um homem procura perceber o raciocínio feminino. É isso que João Pedro está a dizer a si mesmo, a
falar entredentes enquanto apanha do chão as garrafas, os copos, os cinzeiros, depois de se vestir e
voltar para baixo. Vamos por partes, pensa, a Cristiane ainda vá que não vá, que podia estar um
bocado chateada comigo e dar-lhe de repente para se vingar, mas a Carol, o que é que eu lhe
fiz?!
Para João Pedro é portanto muito difícil dar um sentido lógico ao desfecho da noite anterior.