Embora tenha consciência de que a sua disponibilidade para estar com as duas ao mesmo tempo
possa ser considerada ofensiva, ele acha que não fez nada de mal. Foram elas que provocaram a
situação. Se não queriam, porque fizeram tudo para o excitar? Teria sido um teste?, pergunta-se. Se
foi um teste, são parvas, pensa. Terá sido uma atitude espontânea ou estariam combinadas? Estas
perplexidades nunca serão esclarecidas, evidentemente, porque nem Cristiane nem Carol vão querer
voltar a falar com João Pedro, e sendo assim, ele só poderá especular sobre o que aconteceu, ficará
na dúvida até ao fim dos seus dias.
Alguns meses depois destes eventos, Clara casou-se com o patrão. Ela estava tão feliz e João
Pedro tão miserável, que fez questão de lhe contar pessoalmente a alegria estonteante que era
encontrar alguém que a completava e realizava em todos os aspectos. Referiu-se ao noivo como um
homem extraordinário, o homem da sua vida! Enfim, João Pedro conhecia-o. Ele ficou a olhar para
Clara com aquela sua expressão parada de antigamente.
— Eu desiludi-te, não foi? — disse.
Ela abanou a cabeça lenta e pausadamente.
— Muito — confirmou.
— Sabes que não foi intencional?
Clara demorou um pouco a responder, a decidir se o poupava com uma resposta apaziguadora ou
se se deixaria ir atrás da lembrança magoada que ainda mexia com ela. Decidiu-se pela segunda.
— O que eu sei é que nunca fizeste o que andei meses a dizer-te para fazeres, e bastou eu sair de
casa para te envolveres com aquelas galdérias e mudares trezentos e sessenta graus, e pintares o que
devias para teres sucesso e, de repente, ele são jornais, ele é televisão, e numa semana passaste de
pintor vagamente conhecido à última Coca-Cola do deserto — disse de um só fôlego.
— Elas não são galdérias.
— São, pois.
— Está bem, se te sentes melhor a pensar assim.
— Não sejas condescendente comigo. Eu sei bem o que estou a dizer. As duas ao mesmo tempo,
João Pedro?
— Não andei com as duas ao mesmo tempo.
— Pois, está bem, não sei nem quero saber, não me interessa. Por mim, até podes andar com vinte
ao mesmo tempo. Quero lá saber.
— Neste momento, não ando com ninguém.
— É como te digo, não quero saber. Olha, outra coisa, vais ter de decidir se preferes vender a casa
e dividir o dinheiro comigo ou se ficas com ela e me pagas a minha parte.
Tiveram esta conversa à porta de casa, porque, por alguma razão enigmática, Clara recusava-se a
entrar. Mais um mistério feminino daqueles dias estranhos. João Pedro decidiu vendê-la. Era
demasiado grande só para ele e fazia-lhe mal cruzar-se com Cristiane e ter de suportar a indiferença
dela.
João Pedro tentara conversar com ela, mas foi impossível, ela recusou-se a qualquer diálogo.
Um encontro à porta do prédio:
— Cristiane, podes falar comigo cinco minutos?
— Não, não posso.