— Não fazemos nada — disse.
— Como não fazemos nada?!
— Este é meu.
— Eu sei que é teu, mas há que o expor, arranjar compradores interessados, levá-lo à praça.
— Não, este é meu, não é para vender.
— João Pedro, tu estás bem ou ainda estás sob o efeito das drogas?
— Estou óptimo, este quadro é só meu, não vou vendê-lo.
— Mas tens aqui uma obra extraordinária, é a tua consagração, percebes? Depois disto, vão
estender-te as passadeiras vermelhas e beijar o chão que tu pisares em qualquer parte do mundo. É a
tua grande oportunidade!
— Talvez seja, mas não quero saber. Este quadro não sai cá de casa.
Prolongaram por meses este braço de ferro, André persistindo em megalomanias, prometendo-lhe o
céu e a terra; João Pedro inabalável na sua recusa. Chegou, contudo, a hora de mudar de casa e foi
necessário arranjar uma solução. João Pedro propunha-se desmontar o quadro, levá-lo para a nova
casa, voltar a montá-lo.
— Mas é uma loucura! — insurgiu-se André. — Tens de pensar melhor. O quadro nem cabe na tua
casa nova.
— Claro que cabe.
Talvez coubesse, talvez não. O certo é que a casa era bem mais pequena e não haveria espaço na
sala. A alternativa seria a garagem, embora fosse necessário fazer obras e prepará-la para receber o
quadro condignamente e com condições mínimas para o manter a salvo da humidade. André viu ali
uma oportunidade.
— Ainda vai demorar o seu tempo a preparar a garagem.
— Não me interessa — disse João Pedro. — Se for preciso, vou para outra casa.
— Olha, eu sei que não o queres vender, mas podemos arranjar uma solução intermédia. Que tal
uma digressão pelos principais museus da Europa? Parece-te razoável?
João Pedro ficou a pensar na proposta.
— Quer dizer que...
André atirou os braços ao ar.
— É o mais óbvio! — disse.
— Uma digressão, hem?
— Nem mais. Imagina, o Centre Georges Pompidou, em Paris, o Kunsthistorisches Museum, em
Viena, o Rijksmuseum em Amesterdão, o Thyssen-Bornemisza em Madrid.
— Estás doido! A maioria desses museus não aceitaria um quadro meu nem oferecido.
— Pronto, está bem, entusiasmei-me, mas tenho a certeza de que consigo museus de primeiríssima
água interessados em expor o teu quadro. E, no final, o quadro volta para casa. Que dizes?
— Isso não seria mau, não.
— Seria excelente. Então, comprado?
— Comprado.
E assim foi, João Pedro cedeu, com a condição de o quadro voltar para casa logo que terminada a
digressão e tendo já a garagem remodelada para o receber. Efectivamente, André cumpriu a palavra e