fez milagres para convencer alguns dos melhores museus a aceitarem expor o quadro de João Pedro.
Era um pintor com algum sucesso, já falado no estrangeiro, mas não deixava de ser um desconhecido.
Porém, ao vê-lo, os curadores desses museus reconheceram-lhe o mérito e alguns aceitaram colocá-
lo em exposições itinerantes. O quadro foi fazendo o seu caminho por essa Europa fora, ganhando
fama, merecendo as melhores críticas. João Pedro não se podia separar dele e visitou-o em todas as
capitais onde esteve exposto. Entretanto, fez obras na garagem, tornando-a um belíssimo ateliê. Mas
já era tarde para o receber porque, quando finalmente regressou a casa, André objectou a sua
presença ali.
— Não podes fazer isto — disse. — O quadro já é tão famoso que toda a gente vai reclamar. Tens
de permitir que continue exposto.
— As pessoas podem vir cá vê-lo — sugeriu João Pedro.
— Qual quê! Não tens condições, vais ter filas à volta do quarteirão, não terás um momento de
descanso. E depois há o problema da segurança. O quadro não estará seguro.
— Sim, realmente...
A realidade ultrapassa-nos todos os dias sem que possamos controlá-la , foi o que pensou João
Pedro, descoroçoado, ao receber a notícia de que o seu quadro fora vendido em Londres num leilão
da Christie’s pelo exorbitante valor de dois milhões de euros. Aparentemente, era uma boa notícia.
Quer dizer, a sua conta bancária nunca tivera tanto dinheiro, nem costumava receber telefonemas
solícitos de gestores de conta a informá-lo de que passaria a ter tratamento especial de private
banking. Por outro lado, como dizia André no seu estilo muito prático, o prestígio de um pintor
estava directamente ligado ao valor dos seus quadros. Mas João Pedro batalhara tanto para manter
aquele quadro na sua posse e, no final de contas, reconhecendo que não tinha condições para o
manter, acabara por permitir que fosse vendido em leilão mas, num golpe do destino, o comprador
foi um anónimo que o arrematou e o levou para parte incerta. De modo que agora o quadro
encontrava-se em parte incerta e nem João Pedro nem o público voltariam a vê-lo, senão em
fotografias na internet. Restava-lhe o consolo de ter mais dinheiro do que alguma vez imaginara e, se
devia esta fortuna inopinada a um sonho inexplicável, a verdade é que não sonhara que ficaria rico.
Ainda teria de se haver em tribunal com as duas modelos involuntárias do quadro que já tinham
avisado que o iriam processar, mas, mais uma vez, o pragmático André rejubilou de contentamento.
— A sério, elas vão processar-te?
— Dizem que sim. Enfim, mandaram dizer pelos advogados.
— Excelente, excelente — disse logo André. — Um pequeno escândalo vem mesmo a calhar, para
te manter nas primeiras páginas da imprensa.
— Tu achas?
— Se acho. — Deu-lhe palmadinhas nas costas. — Quanto mais escândalo, melhor. A polémica
vende, meu caro!