se distraía com algum pensamento indigente, largava tudo e saía. Por vezes, lembrava-se de ir
comprar pão, ou de tomar uma bica, e adiava o trabalho para ir à rua. Mas depois tinha de almoçar
— habituara-se a almoçar num restaurantezinho próximo onde já lhe conheciam as preferências
gastronómicas — e, provavelmente, arranjava mais qualquer coisa para fazer e, assim, os dias iam
passando sem proveito.
Havia pintores conhecidos só por um quadro, escritores famosos por um livro, escultores
reconhecidos por uma obra. João Pedro já fizera o que a maioria nunca conseguiria numa vida inteira
de trabalho, portanto, tinha todo o direito de pintar marinhas desinteressantes ou não voltar a pintar
um único quadro até morrer. Intimamente, ele sabia que nunca mais se conseguiria igualar e muito
menos se superaria, e essa consciência da sua incapacidade para tornar a surpreender o mundo com o
deslumbramento de uma obra diferente, de uma ideia original, era o verdadeiro motivo que o
desmobilizava dos pincéis.