distanciamento que impunha aliado à fama que angariara enquanto aluno de excepção, transmitiam
uma imagem de genialidade e arrogância que também não correspondia exactamente à realidade.
João Pedro não era um génio e muito menos arrogante. No fundo, não passava de um jovem muito
esforçado devido à sua crónica insegurança.
Clara, no seu jeito desmazelado e descontraído de quem ligava pouca importância ao destino, não
dava um passo sem se inteirar do que haveria de encontrar lá à frente. Também nisso era parecida
com a mãe, que planeara o seu casamento ao milímetro a partir do velório do pai, muito chorosa, a
soluçar nos braços de um desconhecido elegante que, não obstante o desgosto dessa hora aziaga, lhe
estimulara a fantasia e a deixara a ponderar seriamente o que teria de fazer para o levar ao altar.
Clara seria incapaz de engravidar com segundas intenções, mas não estava disposta a apaixonar-se
por um homem sem perspectivas risonhas. E, ainda que João Pedro, na sua pura ingenuidade, não
imaginasse que uma rapariga se pudesse interessar por ele pelo seu currículo, foi exactamente isso
que atraiu Clara. Pouco lhe importava que ele não correspondesse aos padrões de beleza que
normalmente ateavam a chama do amor nas raparigas, se, em compensação, lhe oferecesse as
vantagens de ser um homem digno e conceituado. Os amigos estavam convencidos de que Clara era
rica até mais não e que só teria de se esforçar para vencer na vida se fosse por uma questão de
realização pessoal, mas ela sabia que não era assim, pois ia a caminho de ser pobre mais depressa
do que eles imaginavam. E, como não queria deixar-se apanhar na teia humilhante de depender de um
marido até para pagar um café, tencionava concluir o curso, fazer carreira e ganhar o seu dinheiro,
para que nunca se visse na ingrata situação de se sentir indigente na sua própria casa. Já a ideia de
adormecer todas as noites ao lado de um homem admirado pelo país inteiro enchia-lhe o coração e a
alma de fantasia e alegria.