Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Dez anos passaram e numa década muito podia acontecer. Embora tivesse a sensação de que a vida
correra demasiado depressa, entretanto, Clara dera à luz três filhos, os pais tinham finalmente falido,
e, o pior de tudo, quando resgatava do esquecimento das gavetas as fotografias antigas tomava
consciência dos inelutáveis estragos do tempo. Havia rugas sub-reptícias, irritantes pés-de-galinha
nos cantos dos olhos, cabelos brancos furtivos a despontarem. A frescura elástica de outrora dera
lugar a um rosto e um pescoço algo macilentos, fruto talvez das dietas pouco saudáveis que
substituíam o exercício físico intensivo. Ainda ia ao ginásio, mas somente uma ou duas vezes por
semana. A frequência diária, disciplinada e obsessiva de antigamente dera lugar à ginástica de
manutenção. O doloroso veredicto de um minucioso exame ao espelho era impiedoso: envelhecera
um bom bocado. O olho clínico e sem contemplações detectava defeitos, porventura exagerados pelo
espírito crítico e insatisfeito de Clara, mas, não havia dúvida de que os seios e as nádegas já não
tinham a mesma firmeza de antigamente, e notava uma flacidez sem solução nos braços. Isto, para não
falar do pneuzinho na barriga e da casca de laranja nas coxas. Meu Deus! Tenho estrias!!!!


Clara tinha a sua sessão diária de masoquismo em frente ao espelho. Autoflagelava-se a
inspeccionar o corpo após o banho matinal e a descobrir defeitos novos. Com a aproximação dos
meses de Verão, começava a ficar ansiosa e, nessa época, preocupada com a perspectiva de fazer má
figura na praia, voltava ao ginásio todos os dias e percorria tantas aulas diferentes quantas
aguentasse. Mas, é claro que não suportava esse ritmo durante muito tempo e, ao fim de algumas
semanas, sentia-se esgotada e acabava por desistir. Na idade dela, com o emprego, a casa e os
miúdos, já era bastante bom conseguir ir lá as duas vezes por semana. O que a consolava era
verificar que uma grande parte das antigas amigas da faculdade, hoje em dia, tinha entrado num
processo de decadência física impressionante. Estavam todas a avacalhar , era assim que Clara
resumia o dito processo, e não é que isso lhe desse alegria, mas não deixava de ser reconfortante
ganhar-lhes uns pontos. Ainda se lembrava de se sentir a anos-luz delas. Pois bem, agora já não
achava o mesmo. Tinha até comiseração por elas, coitadas. Mas depois via os seus maridos
engordarem tanto ou mais do que elas e, aparentemente, terem casamentos felizes e sem esse tipo de
preocupações, e perguntava-se de que lhe valia fazer sacrifícios se João Pedro nem reparava. Bem,
João Pedro não repararia se Clara usasse uma argola no nariz e pintasse o cabelo de vermelho. A
parte boa, pensava Clara, era ele não a chatear por não ter a barriga lisa ou as mamas empinadas.
Embora por vezes achasse que seria melhor se João Pedro implicasse com ela por causa dessas
coisas. Pelo menos, seria sinal de que estava atento e se preocupava. Vendo bem, não era bom ele
ignorar esses assuntos. Ou seria que João Pedro a amava por ela ser como era e ponto final? Ou
ignorava-a porque já não sentia desejo por ela? Ahhh!, não sabia, ele não falava, não se queixava,
mas também não mostrava grande interesse. Era frustrante...

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