— João Pedro, por favor, o homem estava a fazer o seu trabalho — acalma-o Clara. — E bem!
Não estás contente porquê? — Vendeste imensos.
— O homem, qual homem? — resmunga João Pedro com desdém.
E depois vinham aquelas jornalistas — André tinha recursos insondáveis para as atrair — e
levavam-no atrás, a furar por aquela multidão de estranhos, por entre flûtes e croquetes em mãos que
se retraíam para o deixar passar, e encurralavam-no a um canto da galeria para o crivarem de
perguntas idiotas que o desesperavam. Nem sequer lhe pareciam verdadeiras jornalistas, mas meras
escribas mexeriqueiras daquela imprensa cor-de-rosa que dava notícias de festas. Eram, quase
sempre, raparigas bonitas com um minigravador na mão, um sorriso sedutor nos lábios pintados de
fresco e questões impensáveis na ponta da língua. Perguntavam-lhe, com falsa inocência, quanto
tempo demorava a pintar um quadro, se o seu casamento não se ressentia de tanta dedicação, quantos
filhos tinha e se costumava levá-los à escola. Não queriam, verdadeiramente, saber nada sobre o seu
trabalho, mas faziam-se acompanhar de repórteres fotográficos e faziam muita questão em que João
Pedro tirasse fotografias com os convidados mais conhecidos, habitués das páginas das suas
revistas. Ele tentava esquivar-se, mas André insistia que colaborasse. «Dá-te notoriedade»,
explicava-lhe, «duas páginas numa revista valem ouro!» E João Pedro lá se submetia à indignidade
desses sacrifícios impróprios de um artista sério e puritano, a sentir-se um peixe fora de água
manipulado pelas manobras mercantilistas do seu astuto marchand.