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Com o advento da crise económica, as vendas dos quadros de João Pedro tiveram uma queda
dramática. Verdade seja dita, ainda antes de a conjuntura ter tornado os negócios em geral quase
irrisórios, já se começava a notar uma certa irregularidade nas vendas. André, no entanto, além de
ser um perito em pintura, também era um mágico a impingir quadros aos clientes desprevenidos, os
bons e os menos bons. Aos mais incautos, pedia fortunas por pedaços de lixo artístico que designava
de obras de arte extraordinárias e muito em conta. Quando um conhecido especialista do meio o
confrontou, acusando-o de vender quadros por preços abusivamente acima do seu valor, André
encolheu os ombros, respondeu:
— Os quadros, como outra coisa qualquer, valem o que as pessoas derem por eles.
Levava os clientes ignorantes a comprarem até o refugo mais duvidoso de artistas obscuros, como
se fossem a sua última descoberta. André dedicava-se à galeria por paixão, mas poderia vender outra
coisa qualquer que teria o mesmo sucesso.
O marchand continuava a safar João Pedro, porque lá ia conseguindo convencer os
coleccionadores mais reticentes a apostarem no seu protégé. Mas quando a crise atingiu o auge, não
houve magia que lhe valesse. Os compradores tornaram-se extremamente cautelosos e só adquiriam
os nomes garantidos. Os tempos não estavam para incúrias, já não havia perdulários, ninguém se
mostrava disposto a arriscar. O dinheiro não corria como antigamente, as pessoas viviam assustadas
e geriam as finanças com severidade. Se antes se comprava um quadro por negócio e se levava outro
por impulso, hoje só se queria o primeiro, e o quadro de João Pedro costumava ser o segundo.
Sempre disposto a reinventar a roda, André imaginava formas criativas de dar a volta à situação,
aconselhou João Pedro a surpreender com uma mudança, disse-lhe que deixasse as marinhas, nem
que fosse por uns tempos, incentivou-o a pintar algo novo, diferente. Mas João Pedro nem queria
ouvir falar de mudanças, respondeu-lhe que gostava das marinhas e não fazia nada melhor.
— João Pedro, estou afogado em marinhas até ao pescoço!
— Se é até ao pescoço, não estás afogado.
André olhou para ele de lado, a estranhá-lo. João Pedro não costumava dizer piadas, e escolheu um
mau dia para começar a ser engraçado.
— Pois, só me falta um palmo — retorquiu-lhe, com um travo a sarcasmo na voz.
Tomavam um café na pastelaria ao lado de casa de João Pedro, para falarem do futuro. André
mostrava-se céptico, o que não era habitual nele. João Pedro considerava-o um poço de optimismo,