porém, agora queixava-se.
— Os tempos estão maus, nunca vi uma crise assim. Se isto continua, vou ser obrigado a fechar a
galeria.
À noite, ao jantar, João Pedro comentou a conversa com Clara.
— Hoje tomei um café com o André.
— Tomaste?
— Sim, aqui ao lado, na pastelaria.
Ela achou esquisito. Que se lembrasse, era a primeira vez que André se deslocava para se
encontrar com João Pedro. O marchand só concedia esse tipo de honra aos seus artistas mais
populares e Clara sabia que o marido não fazia parte dessa lista.
— O que é que ele queria?
João Pedro encolheu os ombros.
— Disse que os meus quadros não se estão a vender. Grande novidade — revirou os olhos.
— E mais?
— E quer que comece a pintar outras coisas.
— E vais fazer isso?
— Claro que não!
Clara teve um momento de exasperação, mas respirou fundo, conteve-se.
— João Pedro, o André sabe o que diz. Devias ouvi-lo.
— O André diz que os quadros não se vendem por causa da crise. Não são só os meus, são todos,
ninguém está a vender bem! E eu não gosto de pintar mais nada. Aliás, não acredito que fizesse
melhor trabalho se começasse agora a pintar outra coisa.
— Ele veio avisar-te. Não vês isso?
Não, João Pedro não via isso.
— Sim, está bem, por vontade dele já estava a pintar quadros por encomenda para as clientes
snobes que lhe compram quadros da cor das cortinas, porque dá bem com o sofá.
— Pelos vistos, já nem essas compram.
— O André é um exagerado, não sabes como ele é, sempre meio histérico? — fez um gesto de
mãos afectado que pretendia imitar o marchand. — Até me disse que, por este andar, ainda tem de
fechar a galeria.
Às vezes, Clara achava que o marido era cego e não via o que tinha debaixo dos olhos, recusava-
se a enfrentar os problemas, como se eles desaparecessem se os ignorasse. Ela retirou o guardanapo
do colo, colocou-o em cima da mesa.
— Tu é que sabes, faz como entenderes. Vou ver os miúdos.
Levantou-se, saiu da sala de jantar, deixou-o sozinho.
A vontade de Clara era desatar a berrar com João Pedro para ver se ele acordava. A apatia dele
desconcertava-a, era contra o seu temperamento. O marido não se mexia para nada, deixava as coisas
acontecerem, serenamente, esperando que tudo fluísse e corresse bem. Isso irritava-a.
— Se fosses no Titanic, ficavas a ver o navio a ir ao fundo e ias com ele — disse-lhe, uma vez.
— E que querias tu que fizesse? — respondeu ele, sem se alterar.