Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

agora, não se dera nada mal. Conseguira tornar-se a protegida do patrão graças a uma astúcia
feminina que envolvia uma grande dose de sedução, algo absolutamente inconfessável em casa. A
maneira como se insinuava, a simpatia que derramava sobre o patrão, a saia curta que subia quando
cruzava, à frente, dele a perna com os contornos bem definidos pelos colãs pretos, a elegância que
exibia do alto dos saltos dos sapatos Louboutin que lhe haviam custado uma fortuna — também neste
aspecto ela aprendera muito e soubera mudar significativamente desde os tempos da faculdade —,
todas estas subtilezas sensuais calavam fundo na líbido desprevenida do homem.


O patrão de Clara era uma personagem e tanto, um presunçoso que não devia nada à modéstia e
desprezava as virtudes do recato, mas — descontando as brutalidades que dizia aos empregados nos
períodos críticos do ateliê, quando os prazos apertavam e os projectos engonhavam — tinha sentido
de humor e conseguia ser encantador com todos, especialmente com Clara.
Ela não se sentia responsável pelo interesse descarado do patrão e não era nenhum sacrifício ser
atraente e tentadora. Porque não? Fazia-se valer, não via nenhum mal nisso, pelo contrário, até
incentivava a cumplicidade que ia crescendo entre os dois, porque gostava genuinamente dele e
reconhecia-lhe as qualidades de homem dinâmico, elegante e bem-sucedido que desejava
desesperadamente para João Pedro. O patrão era o justo oposto do marido, mas com o inconveniente
de ser casado e ter filhos — tal como ela, aliás —, quando não, seria perfeito.
No ateliê, Clara ia-se envolvendo numa relação que começava a extravasar perigosamente os
limites estritamente profissionais, embora ainda quisesse convencer-se de que não havia nada mais
do que uma boa e sólida relação de trabalho. Não lhe custava admitir que admirava o patrão e que
trabalhavam juntos há tanto tempo que já o considerava um amigo. Contudo, nenhum dos dois se
coibia de uma cumplicidade maior do que a simples amizade, subtilmente transmitida por dezenas de
gestos e atitudes ao longo do dia. Antes, Clara quisera cativar o patrão por mero interesse, mas
entretanto deixara os sentimentos intrometerem-se nos seus desígnios. Perdera o frio distanciamento
do cálculo e acabara metida num sarilho sentimental, só que ainda não estava preparada para o
assumir.


Em casa, Clara obstinava-se em mudar João Pedro à imagem do patrão. Espicaçava-o na esperança
de que ele se tornasse mais activo e trabalhasse para projectar a sua imagem. Queria que não
inventasse desculpas para negar entrevistas; que vestisse marcas da moda, em vez da roupa de pobre
— como ela dizia — que usava nas aparições públicas, as calças de bombazina gastas e as camisas
desastrosas compradas por atacado naquela loja da Baixa que cheirava a mofo, onde era atendido
por um velho sonolento atrás de um balcão rústico de madeira; queria que acatasse as orientações de
André sobre a sua carreira e que não fosse às inaugurações contrariado. Clara sofria da síndrome da
vergonha alheia ao vê-lo muito embaraçado, resguardado atrás de André, a balbuciar respostas
monossilábicas, pendurado num sorriso idiota perante aquela gente mundana que frequentava a
galeria do marchand.


Clara esforçava-se para influenciar o marido, mas João Pedro não reagia. As medidas urgentes que
ela reclamava seriam óbvias e naturais para uma pessoa desinibida, criada e educada numa alta
sociedade que sabia estar sem complexos em qualquer ambiente, no entanto João Pedro crescera num
mundo muito mais pequeno e tivera uma infância e uma adolescência complicadas. Ela não dava

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