10
Finalmente aconteceu o que estava destinado a acontecer desde que Clara e o patrão começaram a
seduzir-se através de processos dissimulados. Fora sempre um jogo de atracção e tentação que
nenhum deles assumira com frontalidade, embora ambos soubessem perfeitamente o que andavam a
fazer. Não tinham a certeza se estavam dispostos a correr o risco de irem mais longe, mas, por fim, a
líbido impôs-se ao bom senso e não foram capazes de parar a tempo, ou talvez tivessem consciência
de que não pretendiam mesmo parar e já não quisessem saber das consequências.
O desejo levou-os a fazerem tábua rasa do espaço que ainda lhes restava para recuar e, assim,
caíram numa armadilha sentimental, foram tomados de assalto por uma impetuosa mistura de
sensações e expectativas que não controlavam e, por isso, não podiam contrariar.
Agora, Clara passava a maior parte do seu tempo a pensar no patrão. Dava-lhe prazer analisar até
à exaustão algo que ele lhe dissera ou fizera, uma pequena frase com segundo sentido ou um gesto
que era tudo menos inocente. Clara alimentava planos secretos que incluíam o divórcio — dela e
dele —, uma nova vida a dois, um romance assumido e sem entraves à felicidade. Ela abrira as
defesas e já se permitia imaginar despudoradamente todas as fantasias que lhe povoavam a alma. A
maior de todas era acordar com ele de manhã, com todas as implicações determinantes que isso
representava. Tinha-se convencido de que não havia esperança para o seu casamento, aceitava a
derrota e fazia desta o alibi que a libertava do peso na consciência. Doravante, poderia escolher um
novo rumo que, evidentemente, não incluía João Pedro.
Foi um momento estranho, inesperado, mas não surpreendente. Poder-se-ia dizer que foi o
extravasar da tensão erótica acumulada durante muito tempo. Estavam só os dois no ateliê, no
gabinete dele, debruçados sobre a mesa de projectos, ao princípio da noite, quando já todos tinham
saído, a analisar uma proposta de trabalho de Clara. Foi algo que ela disse, uma frase a que ele
correspondeu com uma carícia no rosto dela. Clara sentiu-se enrubescer de calor e reagiu por
impulso. Cobriu a mão dele com a sua, segurou-a, beijou-a.
Mais tarde, a caminho de casa, sozinha no carro, levando um sorriso de que nem se dava conta,
Clara lembrou-se mais uma vez de que ficara surpreendida com a facilidade com que ele a erguera
nos braços, cobrindo-a de beijos frenéticos, levando-a até à secretária, no outro lado do gabinete.
Não imaginava que ele fosse tão forte. Sentira-se tão leve nos seus braços.
Parou num semáforo e o sorriso abriu-se ainda mais ao recordar como ele varrera com um ímpeto
febril tudo o que havia em cima da secretária para a deitar de costas. Na altura, sentira-se um pouco
desiludida por lhe parecer que não devia ser assim a primeira vez deles, não havia romance naqueles
instintos animais, mas logo se resignou com o pensamento excitante de que o faziam como nos filmes,
pois era assim que ela se sentia, ali deitada à meia-luz de um candeeiro de mesa, a ver as mãos dele
deslizarem pelas suas pernas, por baixo da saia travada que lhe tolhia os movimentos, despindo-lhe