Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O que viu então Cristiane em João Pedro naquela tarde morna de Julho? Porque se entusiasmou
com o seu vizinho feio, mal vestido, trapalhão e aluado?
À espera dele, na sala, ela espreguiçou-se pela chaise longue , retesando os pés, as pernas e os
braços, feita uma tábua de carne e osso. Uma beatífica ociosidade tomou conta dela, desejava que
todos os dias fossem tão felizes e fáceis quanto aquela tarde sem horas, passada a conversar na
tranquilidade de uma sala oca. Cristiane concentrara toda a sua atenção em João Pedro enquanto
vagueavam por assuntos vários, mais ou menos ao calhas, ao sabor da imaginação, sem uma ordem
específica. Até hoje, sabia poucas coisas dele, só o que o pai lhe contara, que era um excelente
pintor, avesso a protagonismos, mas com um trabalho sólido e coerente. O embaixador não comentara
com a filha que João Pedro era um tipo de poucas palavras, a roçar o antipático, pois não estava no
seu género dizer mal das pessoas. Que ela se lembrasse, o pai fizera apenas aquele comentário
ocasional acerca do vizinho, mas é provável que tivesse sido suficientemente enfático para ela ter
ficado com a impressão de que ele sentia viva admiração pelo seu trabalho. Cristiane ficara, por
isso, com a ideia de que João Pedro era um pintor de grande qualidade e muito conhecido. Como ela
não sabia quase nada do assunto, não podia avaliar a verdadeira importância de João Pedro no
panorama da pintura nacional, tinha só a referência vaga da opinião do pai, e Cristiane sempre
considerara bastante as opiniões do pai, apesar de não o admitir.


A primeira impressão que uma pessoa tem de um desconhecido pode variar de tantas formas que é
quase impossível adivinhar o verdadeiro impacto que ele causa. Para algumas mulheres, João Pedro
seria apenas um tipo grande e feio, mal vestido, trapalhão, aluado e pouco interessante. Para Clara,
ele fora a estrela da faculdade, culto, inteligente e com um prometedor futuro como pintor. Clara
agarrara-se à expectativa de que ele teria um sucesso extraordinário com os seus quadros e
ambicionara ser a mulher ao lado do homem famoso, cujo trabalho mereceria o reconhecimento
nacional. Nos seus sonhos mais secretos, Clara fantasiara com João Pedro a ser condecorado pelo
Presidente da República e a ser filmado, fotografado, entrevistado. De algum modo, ela seria
socialmente conhecida e invejada por ter o privilégio de se deitar com a fama. Clara pusera todas as
esperanças em João Pedro por acreditar que ele tinha capacidade para chegar a um nível que ela,
sozinha, nunca conseguiria alcançar.


Já Cristiane, também não se interessa nada pela fraca aparência de João Pedro porque ela é
suficientemente bonita para se fazer valer por si mesma nesse aspecto. Não precisa de exibir um
homem bonito a seu lado, toda a gente sabe que, para ela, conquistar um companheiro-modelo não
representa um verdadeiro desafio nem a faz subir nenhum degrau social. Pelo contrário, Cristiane
sobressai mais se aparecer numa festa de braço dado com um tipo grande e feio, mal vestido,

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