Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O primeiro esboço a carvão tomou forma a traços largos durante a manhã. Cristiane tentou
espreitar o trabalho de João Pedro, mas ele impediu-a.
— Deixa-me lá ver! — reclamou Cristiane.
— Na, na, na, vês no fim — disse, obrigando-a a virar-se de costas para a tela.
Cristiane afastou-se em passinhos cómicos, descalça, apertando os botões do vestido, olhando para
trás por cima do ombro, fazendo beicinho. João Pedro enterneceu-se, mas não cedeu. Ela estava
curiosa e só não insistiu porque apreciou que fosse ele a impor as regras, para variar. Os homens
faziam-lhe sempre as vontades todas...


Deram um passeio a pé pelo bairro, para espairecer, ela no seu vestido branco e de sandálias, ele
na sua farda de pintor, todo colorido. Ambos com óculos de sol. Sentaram-se numa esplanada a
comer tostas mistas, numa rua verdejante, sombreada de árvores que não mexiam uma folha. Não
soprava nem uma brisa. Fazia um calor voluptuoso que convidava à prazerosa indolência do estio, e
eles ali, escutando vagamente o rumorejar da rua pouco movimentada, concentrados um no outro,
com disponibilidade para apreciarem a companhia, comendo as suas tostas entre risos resultantes de
coisas parvas que diziam em alegre cumplicidade.
— A tua separação é definitiva? — perguntou subitamente Cristiane, na sequência de uma
gargalhada que morria em tranquilo silêncio.
João Pedro teve um sorriso astucioso, como que a dizer percebo onde queres chegar. Os olhos
brilharam-lhe atrás dos óculos de sol e em vez de se agastar com a impertinência, viu na pergunta
dela um sinal de interesse. Pareceu-lhe que a fizera espontaneamente, no momento em que acabava de
rir por algo que ele dissera e a divertira, e essa ligação que Cristiane estabeleceu — sem querer ou
não —, entre um momento agradável com ele e a pergunta sobre a sua separação, sugeria que estava
a pesar as suas possibilidades.
Demorou o olhar nela, a ponderar o segundo sentido da questão, fez que sim com a cabeça,
lentamente, pausadamente.
— É — disse.
— Mas é recente?
— Sim, mas definitivo.
Nesta altura, ele próprio não tinha a certeza de nada e sabia que não estava a ser inteiramente
sincero, mas não queria instalar a dúvida em Cristiane, por isso optou pela resposta determinante,
sem hesitar. Cristiane sorriu, satisfeita.


— Então, e tu?
— Eu, o quê?
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