Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Tens alguém?
Ela brincou com ele, fingiu-se escandalizada.
— João Pedro! Isso é uma pergunta muito indiscreta!
Ele baixou os óculos com um dedo, espreitou por cima das lentes, armado em homem fatal.
— Tendo em conta que passaste a manhã toda nua comigo, não há nada que não possas contar-me.
Ela abriu a boca, cada vez mais escandalizada e divertida. Atirou-lhe o guardanapo à cara,
fazendo-se ofendida.
— Isso não foi nada bonito. Está tudo acabado entre nós — declarou, como se estivesse desiludida
com ele.
— Ainda nem começou — retorquiu João Pedro.
Cristiane apontou-lhe um dedo acusador.
— És muito convencido — disse — e descarado. Sabias?
— E tu estás a fugir à pergunta.
— Porque não mereces a resposta.
— Cristiane, olha que não pinto nem mais um bocadinho do teu retrato se não me responderes.
— Oh! — encolheu os ombros. — Também não podia mostrá-lo a ninguém.
— Disparate! Claro que podias!
— Hum-hum... — fez que não com a cabeça.
— Tens problemas em mostrá-lo? — perguntou, preocupado.
O rosto dela abriu-se num enorme sorriso.
— Achas?! Apanhei-te!
Ele atirou-lhe o guardanapo, que ainda tinha na mão.
— E a minha resposta?
— A tua resposta é não.
— Não, o quê?
— Não tenho ninguém.
João Pedro olhou-a, perplexo.
— Como é que isso é possível?
— Essa agora! Porquê?
— Como é que uma mulher tão bonita não tem ninguém? Cristiane, tens algum defeito grave que
não me contaste?
Ela não conteve uma gargalhada.
— Nem imaginas quantos.


Voltaram à sala dela, ao ateliê improvisado, à chaise longue. Desta vez, Cristiane desembaraçou-
se da roupa sem quaisquer reservas, mas despiu-se de costas para ele, com gestos práticos e nada de
cenas sensuais. João Pedro abanou a cabeça, como quem diz paciência.
Cristiane acomodou-se na mesma posição da manhã. Caíram num silêncio natural, livre de
constrangimentos. João Pedro, concentrado no trabalho, ia espreitando de lado à medida que pintava.
Cristiane observava-o contemplativa, e instalava-se na sua mente um embevecimento por aquele
homem singular que a atraía com o seu aspecto excêntrico, alheio à beleza física e desinteressado
pela roupa que vestia. Sentia-se fascinada a vê-lo pintar, tão alto e robusto e tão sensível e dedicado
à sua arte. Ele abismava-se na tela, nos pincéis, nas tintas, abstraía-se de tudo o mais que não cabia

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