Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Como se o destino de João Pedro tivesse deixado de depender do livre arbítrio do próprio, na
medida em que ele acreditava que já estava predeterminado em traços largos pela fantasia que
sonhara, dava-se uma circunstância viciosa: quanto mais João Pedro se convencia de que estava a
viver o sonho, mais, inadvertidamente, concorria para que as coisas se passassem como sonhara. E
assim, o sonho ia-se tornando, efectivamente, real. Era isto a consequência natural da ingenuidade.
Nos dias seguintes, João Pedro terminou o retrato de Cristiane, conferindo-lhe uma surpreendente e
impressionante reprodução fotográfica. Deixava assim as suas marinhas de sempre para mergulhar de
cabeça no hiper-realismo. Ao ver, finalmente, o seu retrato acabado na tela, Cristiane teve uma
expressão de incredulidade.
— Oh! não pode ser!
— Que foi? — inquietou-se João Pedro. — Não gostas?
— É uma fotografia!
Ele deixou cair os braços, desanimado.
— Não é bem isso...
— É sim, tiraste-me uma fotografia.
— Não gostas nem um bocadinho?
Cristiane voltou-se, espantada com a pergunta.
— Estás a brincar? Adoro!
— Adoras?
— É extraordinário. Não, não é extraordinário, é do outro mundo!
João Pedro sorriu pela primeira vez, mais animado.
— Então, gostas...
— És tonto — disse, com piedosa ternura. Passou-lhe os braços em torno do pescoço, beijou-o nos
lábios, demorou-se com a língua na boca dele. — É maravilhoso — afirmou, reconhecida.


Gostou, gostou tanto, deu saltinhos de alegria, dançou de felicidade, parou de repente, preocupada.
— É meu? Dás-me?
— Claro, pintei-o para ti.
— A sério? É meu?
— É teu, é.
Mas agora, Cristiane estava perplexa. Parecia-lhe demais, não, não podia aceitar, não tinha o
direito, era uma obra muito valiosa.
— Disparate! É só um retrato.
Ela perscrutou João Pedro sem perceber como podia dizer aquilo se até ela percebia que ele tinha
ali um quadro tão incrível que poderia pedir por ele o preço que lhe apetecesse.

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