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Recostado no conforto de uma poltrona de excelência, João Pedro conseguiu relaxar um pouco,
após hora e meia de voo, e permitiu-se enfim gozar os copiosos luxos da primeira classe. Escapara
ao rebanho da económica graças às boas influências de Cristiane, que, numa conversa de pé de
orelha com a colega do balcão de embarque, lhe conseguira um providencial upgrade e o transferira
para um lugar na vanguarda, entre os favorecidos.
Depois do susto inevitável da descolagem, João Pedro respirou fundo, compenetrou-se de que o
avião era seguro e preparou-se para uma longa viagem. Cristiane veio então com um sorriso
cúmplice oferecer-lhe uma flûte de champanhe antes dos outros passageiros e ele apreciou-a no seu
passo elegante enquanto se aproximava, espantado com a beleza dela no uniforme de hospedeira.
Depois, Cristiane foi servir os restantes passageiros e João Pedro afundou-se mais no conchego da
poltrona, amolecido numa agradável lassidão, a bebericar as bolhinhas e a pensar que poderia viver
assim facilmente.

O avião atravessou o oceano debaixo de um luar brilhante, voando tranquilamente e sem
turbulência à velocidade de cruzeiro e com o vento de feição. Ainda assim, João Pedro não pregou
olho, porque ia demasiado animado com aquelas novidades inesperadas para se deixar tomar pelo
sono e, embora cansado e a precisar de dormir, permaneceu deitado com o espírito agitado por
longas e inevitáveis reflexões.
Antes de partir, telefonara para o Algarve. Tencionava dizer a Clara que ia ao Brasil. Dir-lhe-ia só
isso, que ia passar uns dias ao Rio de Janeiro para arejar a cabeça, sem lhe dar mais pormenores.
Pensou isto com o telemóvel na mão, detendo-se numa hesitação cautelosa. Como poderia enganar
Clara se ela sabia que nunca se afastava de casa mais do que alguns quarteirões? Clara haveria de
ficar desconfiada e arrancar-lhe-ia a verdade com duas ou três perguntas certeiras. Quando queria
mentir, João Pedro embrulhava-se todo e espalhava-se ao comprido. Mais ainda no caso de Clara,
que lhe lia os pensamentos com uma clarividência perturbadora. Ela jamais acreditaria que ele ia
sozinho para o outro lado do mundo, até porque não tinha dinheiro nem desenvoltura para aventuras.
Viu-se portanto no dilema de não poder enganar Clara, mas também não querer dizer-lhe que ia com
outra mulher para o Brasil, e acabou por não lhe contar nada. Disse só que telefonava para falar com
os miúdos.
Ao ouvir a voz dela ao telefone, teve uma saudade de que não estava à espera. Nesse instante,
percebeu que se pudesse escolher entre ir ao Algarve ou ao Rio de Janeiro, optaria pelo primeiro
destino sem pensar duas vezes. Quis perguntar-lhe se aceitava que os visitasse, mas Clara foi
expedita a passar o telemóvel aos gémeos e o momento passou.

O funcionamento do cérebro humano é complexo, mas, ao contrário das mulheres, os homens