Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

tendem a simplificar a equação da vida, reduzindo-a por via da lógica ao seu expoente mais básico.
Assim, João Pedro estava num frenesim de contentamento por acompanhar Cristiane ao Rio de
Janeiro, porém, teria bastado uma palavra de Clara para desistir da viagem ao Brasil e abalar para o
Algarve. Confuso? Nem por isso. Para ele, Clara continuava a estar em primeiro lugar, mas era
necessário ser pragmático, nenhum homem no seu perfeito juízo recusaria uma semana de férias
pagas no Rio de Janeiro com Cristiane, a menos que tivesse uma proposta melhor. E nesta altura ele
não tinha nada melhor para fazer. Clara não o queria por perto e João Pedro começava a habituar-se
a viver noutra dimensão. Ali ia ele a voar para o Brasil e a sentir-se poderoso porque a mulher mais
bonita que alguma vez conhecera, praticamente implorara que a acompanhasse.


Normalmente, a ideia de viver um sonho aplica-se quando uma pessoa concretiza uma aspiração
antiga. No caso de João Pedro a situação era mais literal, ou, se quisermos, não se tratava de viver
um sonho, mas viver o sonho. E, ainda por cima, ele nem sequer estava a concretizar nenhuma
aspiração antiga. Nunca lhe passara pela cabeça que conseguisse captar a atenção de uma mulher
com a beleza extraordinária de Cristiane, portanto nem pensava nisso. Mas tinha a sensação de que a
vida lhe dera uma segunda oportunidade e, como desistira de tentar compreender como era possível
protagonizar um sonho de forma tão real, tão palpável, sentia-se feliz e livre dos constrangimentos
psicológicos do passado, sentia-se um homem novo, diferente, desinibido, capaz de cometer as
maiores loucuras sem medo da censura social.
Continuou a beber alegremente o champanhe que Cristiane lhe foi servindo pressurosamente pela
noite fora, bastante divertido e despreocupado.


João Pedro e Cristiane experienciavam, sem dúvida, a felicidade de se entenderem com perfeita
harmonia. Não havia choques de personalidade, nem interesses incompatíveis, nem pequenas
irritações, nem as zangas que levavam a ressentimentos duradouros e minavam as relações. Sentiam-
se perfeitamente juntos, riam muito das piadas tontas que diziam, assim como escutavam com
interesse e consideração a opinião um do outro. Mas, por mais intimidade que haja, cada pessoa é o
reflexo da sua circunstância particular, tem o seu mundo interior, os seus pensamentos reservados.
Enquanto João Pedro encarava a situação com grande liberdade de espírito e sem se preocupar
excessivamente com o advento de Cristiane na sua vida, ela pensava muito seriamente no momento
que estava a viver.


Concluídas as tarefas a bordo e apagadas as luzes, o avião adormecia embalado pela suave
sustentabilidade de um céu limpo e estrelado. Aqui e ali, algumas vozes murmuradas ainda resistiam
entre bocejos ao sono sugerido pela hora tardia e pelo som abafado e monótono das turbinas. O
pessoal de bordo aproveitava esta fase do voo em que havia pouco trabalho para descansar. Só
Cristiane, que tinha o seu passageiro especial, continuava preocupada em tomar conta de João Pedro,
empenhada em garantir que nada lhe faltasse. Foi ter com ele e ficou ali de pé no corredor a
conversar durante alguns minutos.
— Estás cansada — notou João Pedro, vendo-a alternar o peso do corpo de uma perna para a
outra.
— Um bocadinho — admitiu.
— Vai-te lá sentar, que daqui a pouco já tens estes chatos a chamar-te outra vez — abarcou com os

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