Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Da porta do banheiro ao lado do quarto, saía o vapor de água quente do banho
recém-tomado. Rui vestiu-se depressa, calças jeans pretas, camiseta cinza
clara. Depois fez a mala. Isabel observou-o em silêncio enquanto o marido
arrumava a roupa íntima, as calças, os suéteres, as camisas por cima, tudo
com método, com os gestos experientes de quem já fizera aquilo dezenas de
vezes, de quem partia e chegava com naturalidade. Sentada ao canto da cama,
encostada à cabeceira, enfiada debaixo das cobertas até à cintura, Isabel
abraçava-se a uma almofada, cravava-lhe as unhas. Havia um silêncio, uma
tensão, que refletia o desagrado dela, o incômodo dele.


– Fica quantos dias fora? – perguntou Isabel.
– Já te disse, uma semana em Nova York, três dias em Londres.
– Não dá para encurtar a viagem?
Rui parou o que estava fazendo, encarou-a.
– Não posso, Isabel – respondeu, virou-se de costas, esvaziou a gaveta das
camisas, colocou-as dentro da mala.


– Agora você nunca está em casa – queixou-se ela.
– Tenho de trabalhar.
– Eu sei, mas não podia viajar um bocadinho menos?
– Não, Isabel, não posso – disse, aborrecido.
Era uma discussão recorrente. Estavam casados há quase dois anos e Rui
retomara a sua vida profissional exatamente como no tempo de solteiro.
Isabel acusava-o de se dedicar mais ao trabalho do que à família, de passar
mais tempo no exterior do que em casa. Ele encolhia os ombros sem pachorra
e retorquia-lhe com a mesma frase desconcertante de sempre: Tenho de
trabalhar. Isabel sentia que algo se havia quebrado entre eles, um elo, como se
já não comunicassem com a mesma familiaridade e ele não tivesse por ela o
amor que lhe transmitira desde a primeira hora, como se Rui tivesse perdido o
interesse e ansiasse pelas viagens que o levavam para longe. Quando estava
presente, dava a impressão de viver alheado, sentado na sala concentrado na
televisão. Levantava-se do sofá, saía da sala sem dar uma palavra e ia se
deitar. Com Joana, a filha, era diferente, revelava-se um pai dedicado, mas
com Isabel, não, com ela parecia que queria castigá-la por algo que não fizera,

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