Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Isabel acordou na quarta-feira com a certeza de que tinha de tomar uma
atitude. Rui passara quase uma semana em silêncio absoluto. Saiu da cama
bem cedo, antes das sete, para ter tempo. Era preciso despertar Joana sem a
apressar, se não queria começar o dia com uma birra. Precisava ser tolerante,
dar carinho e vesti-la como se fosse uma brincadeira, com paciência. Em
seguida, na cozinha, tomaram o café da manhã, Isabel pensativa, preocupada,
enquanto a menina falava sem parar, pedindo-lhe atenção. Em cima da
bancada, estava uma enorme caixa de cereais que a pequena mão da criança
tentava alcançar, derrubando-a sobre a tigela cheia de leite com cereais que ia
comendo de colher com a outra mão. Isabel espalhou tranquilamente
manteiga numa torrada, ignorando as asneiras de Joana. Comeu devagar,
acompanhando com uma xícara de café com leite. Tinha de falar com Rui,
pensou, tinha de saber dele, perguntar-lhe porque não lhe ligava há tantos
dias, dizer-lhe que contava os dias, à espera dele, que o queria muito e morria
de medo que ele já não a desejasse e não quisesse voltar para casa.


Telefonou-lhe à noite. Como ele estava com o celular desligado, procurou o
número do hotel e ligou para lá. Sozinha na sala, em pé, nervosa, andou para a
frente e para trás, numa ansiedade, enquanto aguardava. A telefonista passou
a chamada para o quarto, atendeu uma voz feminina, em português.


Isabel sentiu o coração gelar, sentiu um nó no estômago, uma tontura
súbita, foi sentar-se na beira do sofá.


– Quero falar com o Rui – disse, fazendo um esforço para manter a voz
controlada, para não soar desesperada. – É a mulher – acrescentou,
irrefletidamente, pensando depois que dissera aquilo para marcar o território,
porque pressentia na outra uma ameaça.


Fez-se uma pausa, a mulher no outro lado do Atlântico mostrou-se confusa,
ou então pensou depressa e respondeu de modo conveniente.


–   Rui?    –   disse.  –   Qual    Rui?    Deve    estar   enganada,   aqui    não há  Rui nenhum.

Isabel desligou, deixou cair a mão com o telefone no colo, olhou para o outro
lado da sala, concentrada no quadro que mostrava uma paisagem verde a

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