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Eram sete e meia da manhã e Isabel tinha acabado de arrumar Joana, de
colocá-la em sua cadeira alta no balcão da cozinha. Preparava-lhe o leite com
cereais, quando ouviu a porta da rua bater, ouviu os passos de Rui, viu-o
entrar na cozinha. Trazia o casaco do terno enrolado no braço, a camisa
amarrotada, a gravata alargada no colarinho aberto. Joana bateu com a colher
no balcão enquanto repetia “papá, papá, papá”. Isabel levantou os olhos,
encarou-o. Ele percebeu uma expressão magoada no rosto dela.
– Bom dia – disse. – Está tudo bem?
– Está tudo bem – respondeu Isabel, sarcástica. – Uma maravilha.
Ele aproximou-se da filha, fez-lhe uma festa na cabeça, deu meia volta e
desapareceu em direção ao quarto. Ao sair de casa quinze minutos mais tarde,
Isabel ouviu a água do chuveiro escorrendo no banheiro e pensou “já nem se
dá ao trabalho de disfarçar”.
Faltou ao trabalho à tarde, voltou para casa, abriu duas malas em cima da
cama, começou a enchê-las. As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto enquanto ia
juntando a roupa, desorientada, sem saber o que levar, “só o mais
importante”, pensou, depois viria buscar o resto. Foi ao banheiro, olhou para a
coleção de frascos, voltou atrás para buscar uma sacola, despejou tudo lá
dentro, agora com vontade de deixar um vazio enorme, para causar mais
impacto quando ele entrasse. Voltou para o quarto e esvaziou o armário, as
gavetas, não deixou nada. Precisou de mais uma mala, mas estava decidida a
levar a roupa toda. Dirigiu-se ao quarto da filha, despejou as gavetas, encheu
outra mala.
Sentada à mesa da sala de jantar, olhou para a folha em branco à sua frente
e pensou no que deixaria escrito, no que queria lhe dizer. Pousou o bico da
caneta no papel e escreveu sem parar duas páginas de mágoas, frente e verso.
Escreveu todas as palavras que tinha entaladas na garganta, toda a revolta e o
desgosto que a consumiam.
Deixou o papel em cima da mesa, levou as malas para o elevador, carregou
o carro, voltou em casa para verificar se não tinha esquecido nada importante.
Antes de sair, porém, teve um assalto de última hora, foi à sala de jantar,
rasgou a folha que tinha escrito e escreveu numa nova uma única linha de
raiva: