Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Isabel veio da cozinha e encostou-se na ombreira da porta, limpando as mãos
que acabara de lavar. O jantar estava pronto e vinha chamar Luís e a filha,
mas, ao entrar na sala, deparou-se com os dois sentados no chão, entretidos
com um quebra-cabeça e deteve-se, observando a cena. Viviam juntos há
quase um ano, e Isabel dizia a si própria todos os dias que era uma mulher de
sorte, embora, na realidade, se sentisse apenas resignada. Ao contrário do
amor incondicional que sentira por Filipe, o investimento emocional na
relação com Luís implicara também a fria ponderação do dever e haver da
vida. Sozinha e dependente de um emprego de salário baixo, não a
incomodou o instinto de ser cautelosa quanto ao futuro. Conquanto fizesse
questão de se valer por si e não depender de ninguém, não limitou a sua
escolha ao idílico e frágil destino do amor. Queria segurança. Luís
empenhava-se em construir uma sólida carreira no banco onde já chegara a
diretor e, apesar de não ser um homem de gostos requintados e nem muito
culto, era responsável e dedicado. E Isabel pensou que isso lhe bastava.


Isabel mudara-se para casa de Luís ao fim de seis meses de namoro e ele
adotara a filha dela como se fosse sua. O maior desejo dele era ter filhos, mas,
depois de anos de tratamentos, teve de aceitar que isso nunca aconteceria.


Não fora amor à primeira vista, mas haviam desenvolvido uma relação que
fora crescendo e tornando-se mais sólida com o passar dos meses. Por vezes,
Isabel surpreendia-se ao compará-lo a Filipe e, bem, não encontrava muitas
semelhanças. Luís era mais novo, da idade dela, bem-humorado, mas menos
profundo, menos atento aos pormenores. Isabel nunca tivera – e
provavelmente nunca voltaria a ter – um homem que a conhecesse tão bem
como Filipe. Filipe percebia-a, lia o seu pensamento e interpretava-o com
uma lucidez que nunca deixara de espantá-la. Era um homem experiente e
ajudara-a muito a ultrapassar um momento difícil, após o divórcio,
apontando-lhe caminhos sem querer impor a sua opinião. Isabel gostava de
Luís, acreditava que sim, embora fosse uma relação mais serena, em nada era
comparável à paixão que vivera com Filipe.


Quando se lembrava de Filipe sentia um aperto no peito, uma nostalgia, uma
frustrante sensação de inevitável fracasso. Deixá-lo fora a opção correta,
pensava, ou insistia nessa convicção para sossegar o espírito, para não se

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