Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

esse laço difícil de quebrar não era um sentimento de amor realizado, mas
antes o fato de estar demasiado envolvida com Ricardo para poder voltar
atrás, como se tivesse contraído um conjunto de obrigações morais, uma
complexa teia emocional que a impedia de se desligar dele de um dia para o
outro sem que tal decisão lhe acarretasse consequências psicológicas nefastas.


De qualquer modo, Catarina não estava realmente pensando em se separar
de Ricardo, não era uma hipótese que colocasse seriamente. Muitas vezes só
apreciamos mesmo o que não temos, ou, no caso do amor, aquele que nos
escapa por entre os dedos. Catarina amava Ricardo, ou acreditava que amava,
repetia a si mesma que sim, quase como se quisesse convencer-se, e supunha
que, se ele a deixasse, ficaria destroçada, desamparada, sem saber para onde
se virar. Se, porventura, Ricardo trouxesse flores para casa, se telefonasse
durante o dia e lhe propusesse um encontro no meio da tarde, se andasse
transtornado com ciúmes inusitados e a massacrasse com a sua presença
constante, nesse caso ela se sentiria mais segura, mais descontraída, menos
preocupada com a possibilidade de não o amar, pois esse estado de
dependência dele seria mais do que suficiente para lhe encher o peito de
vaidade e a alma de paz. Mesmo que não o amasse de fato. Mas Ricardo era
um talentoso vendedor de carros que ascendera a empresário, dono de dois
stands , que ganhava a vida empurrando objetos de qualidade inferior a
descuidados, e a única coisa que trazia para casa era a mesmíssima lábia fácil
e habilidosa que outrora a encantara e agora, de tão batida, já não a convencia.


Não, Catarina não ponderava a separação – por falta de coragem?
Admitamos que sim. Contudo, o fato de ter estes pensamentos, de imaginar
pelo que passaria caso quisesse se separar, de se perguntar se teria ânimo para
tal, já não se afigurava um bom prenúncio.


Como encaixar então a chegada de Jonas na pacata, insatisfeita e vulgar
vidinha de Catarina? Apesar de tudo, com Ricardo ela se sentia no seu
mundo. Ricardo vestia terno completo e andava de Porsche durante a semana
– qualquer um disponível para venda – e vestia uma camiseta jeans mal
ajambrada e chinelos de dedo no final de semana para encontrar os amigos no
bar da esquina e beber cerveja enquanto assistia futebol e jogava conversa
fora. Ricardo não lia um livro; os que havia em casa eram de Catarina.
Ricardo era bem aparecido, bem falante, cheio de desenvoltura,
empreendedor, mas, no fundo, um sofisticado de fachada, um simplório. Em
contrapartida, Jonas percorrera o mundo, cruzava-se com meio mundo,
conhecia a elite das artes, do esporte, da política, do que quer que fosse,

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