Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

conhecia aquelas pessoas que toda a gente conhecia só pela imprensa, pela
televisão – melhor, ele era uma delas. Jonas compunha músicas que o país
inteiro cantarolava, o seu trabalho fazia parte do imaginário da nação. Apesar
de declarar um desinteresse pela política, pela ruína do país, pelos dramas
internacionais que apareciam nos jornais, Jonas lia-os, assim como lera todos
os livros, sabia e percebia tudo o que se passava à sua volta. O desprezo pelas
coisas importantes não era ignorância, mas sim uma atitude deliberada.


Catarina via-se a si própria como um produto da sua educação, do seu meio,
consciente da família de origens modestas a que pertencia. Orgulhava-se do
curso superior que lhe permitira ascender a um emprego que muitos gostariam
de ter, mas, sabendo de suas limitações, não se via no gabinete da direção do
jornal dali a uns anos, nem sequer com um cargo de chefia importante. Ela
escrevia notas, pelo amor de Deus! Era verdade que também entrevistava, às
vezes, figuras de primeiro plano, como Jonas, mas convenhamos que estava
longe de ser uma Christiane Amanpour portuguesa ou coisa que o valha.


Quando pensava em Jonas, Catarina assustava-se com a ideia de vir a ser
sua namorada e de ter de lidar com o seu mundo, onde, imaginava, nunca
seria bem recebida e haveria de sofrer a humilhação de ser considerada
apenas a sua namoradinha do momento, mais um capricho amoroso que
haveria de passar. Estava mesmo imaginando as pessoas, condescendentes,
comentando “ah, sabe como é o Jonas, artista, qualquer dia arranja outra e
troca-a por esta”.


Depois caía em si e pensava “meu Deus, onde é que isto vai parar?! Estou
pensando como se fosse a namorada dele. Eu não estou boa. Ele lá quer saber
de mim. Sou só uma brincadeira para ele”. E, no entanto, era mais forte do
que ela fantasiar sobre essas coisas. Afinal de contas, nunca tivera um homem
famoso aos seus pés, por assim dizer. Os homens do seu mundo real, da sua
intimidade fora do jornal, aqueles que se interessavam verdadeiramente por
ela, eram os que comiam às mesmas mesas onde ela se sentava, os que
bebiam cerveja pela garrafa enquanto assistiam futebol e daí não haveriam de
passar nunca. Portanto, não lhe era possível ignorar a sedução de Jonas e não
se sentir apreciada, não se deixar levar por um certo fascínio, uma certa
vaidade por ter captado a atenção dele.

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