Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Era extraordinário que tivesse uma vida dupla. Ele próprio se espantava
quando pensava no assunto, dizia a si mesmo “você é mesmo maluco”, mas
dizia-o com orgulho, com um sorriso nos lábios, pois sentia-se poderoso
quando submetia as mulheres à sua vontade. Tinha sempre uma namorada, na
vida normal, bem entendido, mas eram as outras que mais o excitavam,
aquelas que atraía para a sua armadilha para depois abandoná-las, deixando-as
impotentes para o contrariarem, fazendo delas um mero objeto de prazer.
Gostava de assustá-las, de tratá-las mal.


O que mais o fascinava era nunca ter sido apanhado. Sabia o perigo que
corria, gostava do perigo, de atravessar a linha da decência e colocar-se
oportunamente, penetrar bem fundo no lado negro do mundo, arriscar-se a ser
preso e enfiado numa cela escura, ser objeto de todas as censuras, ter a cara
estampada nas primeiras páginas dos jornais e ser apelidado de monstro. Bem,
não que fosse um monstro, não se considerava nenhuma aberração, apenas um
tipo excêntrico e intrépido que gostava de se arriscar. Na sua experiência da
rua, como chamava as escapadas que fazia ao lado secreto da vida, já havia
encontrado de tudo, desde jovens ingênuas que lhe rogavam por tudo que não
as magoasse, a mulheres doidas que se riam dele e o incentivavam a ser
violento com elas. Às vezes atraía-as para o carro e levava-as a um lugar
ermo, noutras conseguia que o convidassem para casa delas. Não usava armas
e nunca as obrigava a nada, só as tratava com brutalidade depois de elas
assentirem em ter relações com ele. Como era um tipo bem apessoado e
facilmente reconhecível, conduzia as coisas de modo que não pudessem
acusá-lo mais tarde de tê-las raptado e violentado, porque de fato, pensava
ele, não era isso que acontecia, simplesmente esperava até chegarem a um
ponto em que não podiam recuar, pois não lhes aceitava um não depois de se
terem despido e enfiado consigo na cama. E, em geral, elas sentiam-se tão
humilhadas que se calavam com vergonha.


Por vezes, vangloriava-se das suas aventuras secretas a um ou outro amigo,
mas nunca chegava ao detalhe da brutalidade, evidentemente. O
inconveniente de ter uma vida dupla era não poder contá-la a ninguém, e ele,
que anotava tudo num caderno que escondia, desejava intensamente ter essa
oportunidade. Fantasiava com a ideia de escrever um livro sob pseudônimo
ou dar uma entrevista anônima. Foi esta segunda hipótese que o levou a

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