Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Patrícia desligou o celular e pousou-o com um gesto lento na mesa onde
estava sentada. Recostou-se na cadeira giratória, a única peça de mobiliário
confortável naquele seu gabinete acanhado e frio, onde havia a escrivaninha
metálica encostada à parede e, girando a cadeira só meia-volta, ficava de
frente para a maca à parede oposta. Aos pés da maca estava o armário
metálico com portas de vidro, em cujas prateleiras estavam guardados
medicamentos, curativos, compressas e mais alguns instrumentos de medicina
básicos, que bastavam para as consultas simples que Patrícia dava naquele
gabinete. Já o ocupava há tantos anos que nem se dava conta do seu
desconforto, demasiado pequeno até para pequenas consultas, frio no inverno,
abafado no verão. Mas subitamente, no sufoco do seu desconsolo, Patrícia
sentiu-se oprimida, como se o estreito espaço entre as paredes não lhe
permitisse respirar, levando-a a erguer-se na cadeira para abrir a janela ao
fundo do gabinete. Um frio de dezembro invadiu a sala e renovou o ar
viciado, tornando a temperatura primeiro desagradável e depois quase
insuportável. Por aqueles dias, o país estava sendo atravessado por uma massa
polar, e as pessoas andavam na rua escondidas em roupas grossas e
espantadas com o rigor daquele Natal que, tanto quanto havia memória, nunca
tinha sido celebrado com temperaturas tão baixas. Era um fenômeno de tal
maneira raro em Lisboa que já havia nevado três vezes na mesma semana,
quando o normal seria que, depois da primeira neve, esta só voltaria a cair
cinquenta anos depois. A cidade não estava preparada para tanto frio e, entre
as medidas de exceção, era preciso socorrer os deserdados da noite, de modo
a não dar com eles mortos pela madrugada ao fundo dos toldos dos prédios
onde costumavam abrigar-se, debaixo de cobertores inúteis e de folhas de
jornais incapazes de impedir o frio e a hipotermia.


Entrou, fechou a janela, recuou alguns passos, deixou-se abater na maca e ali
ficou sentada com as mãos caídas no colo, de palmas viradas para cima,
embalando lentamente o corpo para a frente e para trás, como que esperando
o choro que finalmente despontou. Lágrimas cobriram-lhe os olhos, toldaram-
lhe a vista. Em cima da mesa, o telefone tocou sozinho, chamando-a para a
próxima consulta, para deixar entrar o paciente seguinte. Patrícia nem o
ouvia. Pensava em Filipe, na conversa que acabara de ter com ele, e ainda
escutava a sua voz comprometida, comunicando-lhe que já não chegava hoje,

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