Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

se de dar atenção ao trânsito ou ao que quer que fosse mais. Foi então que se
deu o desastre.


Patrícia levantou os olhos alarmada pelo chiar desesperado dos pneus do carro
freando e viu tudo. Testemunhou, horrorizada, Filipe sendo pego, voando por
cima do capô, batendo com o ombro e a cabeça no para-brisas, estilhaçando o
vidro, sendo cuspido sem vontade própria de regresso ao asfalto e se
estatelando muitos metros à frente do carro, ficando deitado de costas e
imóvel como morto.


Por um momento, Patrícia ficou petrificada, incrédula, sem reação, mas
depois se lembrou que já era médica e devia socorrê-lo. Largou as folhas, que
de qualquer forma já não tinham préstimo, e começou a correr. Contornou o
carro, acercou-se dele, ajoelhou-se ao seu lado, gritou ao condutor
desorientado que chamasse uma ambulância. Despiu à pressa o seu próprio
casaco para cobri-lo e, enquanto tomava as providências básicas para
estabilizar o ferido, Filipe abriu os olhos com um sorriso inocente e
desculpou-se: “não vi o carro, disse, estava olhando para você”. Em seguida
perdeu a consciência.


O livro que Filipe acabara de comprar, tal como as folhas dela, ficou
abandonado na rua quando a ambulância o levou. Patrícia não quis deixá-lo e
conseguiu que a autorizassem a acompanhá-lo porque o condutor a
reconheceu do hospital. Algo nele a comoveu, o acidente, a forma como a
olhou, como lhe falou, o que disse antes de desmaiar, num momento estava
disposta a bater-lhe por causa das folhas estragadas, do ônibus perdido, no
momento seguinte só pensava em salvá-lo. Depois, no hospital, foi
incansável, acompanhou-o até ter a certeza de que ficaria bem.


No início, Patrícia sentiu-se responsável por Filipe, e por isso não o perdeu
de vista um minuto, tratando-o como se fosse da família. Usou
conhecimentos, falou com os médicos para lhe darem prioridade, pediu-lhes
urgência, empenho e cuidados especiais com aquele amigo. Era uma jovem
ativa, de boa índole, agradável à vista, encantadora, capaz de levar os outros a
fazerem-lhe as vontades. No princípio seria uma questão de responsabilidade,
mas com o tempo conheceu melhor Filipe, gostou dele, apaixonou-se.


As consequências físicas do acidente não foram tão graves para Filipe quanto
a dimensão do atropelamento faria supor. Quem presenciou a violência com a

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